quarta-feira, 22 de agosto de 2012

As eleições e as teses fajutas


É certo que o que se passa na cabeça do eleitor tem pouco a ver com o que está nas análises de nossos melhores cientistas políticos. Por isso, o mais das vezes, lemos e ouvimos teses absurdas. Não haveria de ser diferente, é claro. Caso as análises fossem mais precisas, não haveria motivo para se fazer campanha – o que pouparia trabalho e dinheiro de muitos candidatos a qualquer cargo pelo mundo afora.

O aspirante a analista político, contudo, não pode se furtar de ler, entrevistar, pesquisar, mergulhar em conceitos, a fim de compreender de maneira um pouco mais nítida o universo que visa descrever e, ainda assim imprecisamente, proferir seus resultados.

Talvez a paixão do momento - época de campanha é também tempo de fervor quase religioso - leve às favas mesmo os exercícios lógicos mais fáceis. Porém, tal como defende o sociólogo Max Weber, ainda se torna necessário o afastamento de seu objeto de análise.

Mas, ainda assim, ausentar-se de si, de sua ideologia, suas paixões partidárias, não é tarefa facilmente executável. Neste sentido, o ensinamento de Weber pode ser até mesmo uma mera ilusão. Aos que, contudo, desejarem afastar-se de teses políticas furadas, é recomendável pelo menos uma aventura no universo da ciência política e dos estudos eleitorais.

Somente dessa maneira se pode fugir à tolice de confundir o índice de rejeição de um candidato com o fato dele ainda ser desconhecido. Ou então chegar à percepção de que o candidato primeiro colocado nas pesquisas, a despeito do início da campanha, permanece com o mesmo índice de intenção de votos. E estas são apenas duas questões a serem relevadas, dentro do universo complexo que é uma eleição.

Por fim, não é preciso se prolongar. A receita é simples, apesar de difícil. Mas, os que ainda pretendem se debruçar no ambiente impreciso da análise política, necessitam ao menos se esquivar das paixões que anuviam a lógica e jogam nas nuvens qualquer dado ou elemento importante. Mesmo que lhes seja desfavorável. 

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A democracia não é um fim


É difícil para alguns compreender o sistema democrático. Na acepção usual, democracia é o governo do povo, da maioria. Um governo democrático, nesse sentido, é aquele onde a maior parte dos cidadãos dita os rumos de uma cidade, estado ou país. Isso mesmo que de maneira indireta, como através do sistema representativo. Mas até aqui tudo bem. Não haveria motivos para crítica, uma vez que, com esse método, as minorias não mais governariam as maiorias, como nos sistemas monárquico e oligárquico. A democracia também cuidou de deixar para trás o misticismo inerente às monarquias, nas quais os reis e os nobres tinham uma suposta “legitimidade” concedida por Deus – ou pelos deuses. Contudo, apesar de ser o melhor sistema já criado, o “governo do povo” tem suas falhas, exatamente por essa crença de que o voto da maioria é inquestionável.

Os problemas na democracia se dão porque, como revelou Joseph Schumpeter, em seu Capitalismo, Socialismo e Democracia, este sistema não é um fim em si mesmo. Se tudo que fosse passível de voto fosse submetido ao crivo do povo, destituído de alguns critérios, os resultados seriam constrangedores e deploráveis. Se a própria democracia fosse levada a julgo e a maioria a julgasse inconveniente, paradoxalmente ela poderia se extinguir.

O mesmo Schumpeter fornece exemplos de atrocidades decorrentes da aplicação do método democrático, como as perseguições aos cristãos em Roma e a caça às feiticeiras na época da Inquisição, ambas com forte aprovação – e participação - das maiorias. Obviamente, as constituições devem impedir esse tipo de resultado nos países democráticos. No entanto, uma constituição que impede que o voto da maioria se consagre, não seria “anti-democrática”? Sim, seria. E é por isso que a democracia não funciona quando isolada de outros princípios.

Toda esta explanação se legitima em virtude de uma pesquisa recente do Instituto Ibope, que demonstra que 55% da população brasileira são contra o casamento de homossexuais. Diante desse resultado, alguns conservadores colocaram a Constituição acima do próprio ideal a que ela deveria se voltar: a liberdade. A liberdade das minorias – no caso, a dos homossexuais – encontra nesse caso uma restrição imposta pelo próprio método democrático. Afinal, a vontade da maioria deve ser levada em consideração em uma questão que envolve o direito e a liberdade de uma minoria?

A democracia emergiu dos Estados liberais, com a expansão das liberdades política e econômica. Sempre houve, contudo, grande preocupação com a potencial tirania inerente a esse sistema, isto é, a chamada “tirania da maioria”, termo cunhado por Alexis de Tocqueville, em A Democracia na América. As minorias seriam, mesmo que incidentalmente, desfavorecidas com esse sistema.

É por isso, obviamente, que as constituições devem trazer em si toda a sorte de defesas ao indivíduo e às minorias, visando sempre a liberdade. Contudo, o sistema nomocrático – constituído pela lei – é imperfeito. Uma Constituição, desse modo, que impede o casamento de indivíduos do mesmo sexo é uma Constituição que não defende a liberdade individual e o direito dos indivíduos de estabelecer uma família e gozar dos direitos inerentes a essa instituição. Essa construção social ora denominada justiça surgiu com o objetivo da proteger o indivíduo e velar por seus direitos. E direito “não escolhe cor, sexo, credo ou classe social” – jargão muito utilizado por aí.

Voltando à pesquisa, para terminar. Como se vê, esse caso demonstra que o método democrático não deve servir como meio para decidir se uma liberdade deve ser concedida ou não. Jamais a democracia deve legitimar a preeminência da maioria sobre a minoria em casos que envolvam a liberdade e o direito. É por isso que a democracia deve servir como meio, cujo fim seja sempre a conquista de mais liberdade e justiça.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Um dia seremos civilizados

Desde a adolescência me pergunto qual é o problema do brasileiro. Pode ser que isso não faça muito tempo. Desde os meus 15 anos, contudo, passou-se quase uma década e minha compreensão acerca do Brasil e de seu povo se tornou paradoxalmente turva. O interessante é que, pelo jeito, o passar do tempo incidirá mais em dúvidas do que em descobertas.

O Brasil é inexplicável, e todas as teorias sobre ele - aprendi lendo Roger Bastide - tem que se valer menos de ciência que de poesia. Se um estrangeiro quiser entender o povo tupiniquim certamente poderá fazê-lo lendo Macunaíma. O personagem de Mário de Andrade traz em si as características do “homem cordial” de que nos falou Sérgio Buarque de Holanda. É a personificação do malandro. Típico brasileiro. Trata-se do homem movido mais pela emoção que pela razão, indisposto e alheio a qualquer contrato social que não lhe convenha.

O brasileiro é muito bem retratado, ou melhor, abordado em toda sua peculiaridade em diversas obras, seja de arte ou de entretenimento. Exceção seja feita a Policarpo Quaresma, que acreditava na possibilidade de um bom funcionamento de nossas instituições.

Mas, se acaso perpassássemos por grande parte de nossa produção cultural, poderíamos ver uma incrível indisposição de nossos personagens com a lei, a ética e a civilidade. Das obras-primas de Machado de Assis – o ápice de nossa arte - aos programas humorísticos sem graça que assistimos na TV dos dias atuais o que se vê é o brasileiro que gosta de se dar bem e de estar à margem da lei.

Foram muitos os motivos que nos levaram a ter essa característica escorregadia em relação à ordem e às leis instituídas, de não saber separar o público do privado. Não obstante, o passar do tempo parece não nos dotar de elementos que demova do Brasil essa triste peculiaridade e seus onerosos efeitos sobre a vida em sociedade.

Este texto, a fim de ilustrar essa indisposição, não poderia se furtar de citar o ex-presidente Lula, no caso dos super-passaportes emitidos para membros de sua família. Aliado a esse caso, relembramos o caso do “Mensalão”, que voltou a ter destaque na mídia nacional.

Luís Inácio Lula da Silva chegou à presidência da república após algumas tentativas frustradas. Contudo, venceu e o Brasil alçou importantes resultados econômicos. Como decorrência, tornou-se o principal responsável por esses bons acontecimentos. Não entro no mérito desta questão. Aqui não importa se Lula foi ou não o mentor deste “novo Brasil” – que de novo nada tem.

O caso é que Lula ganhou todos os créditos de um grande número de brasileiros. Ele fala a língua da massa – e isso agrada também os que não fazem parte dela, como os intelectuais. O ex-presidente também encarna a imagem do brasileiro comum: o operário, oriundo do sertão, sem estudos.

Sendo semelhante aos demais, sua escalada ao poder é a emergência do homem simples e desconhecido que se eleva ao mais alto cargo político do país. Lula se dá bem e ganha o respeito dos brasileiros por isso. E, assim, ele entende que está lá e é aclamado por ser como os homens simples, que são a maioria dos indivíduos.

Lula, portanto, é a personificação do brasileiro. Nele estão incrustadas todas as características desses homens: o jeitinho em relação à lei e a malandragem em busca de algum benefício.

E é assim, numa clara indisposição com a lei, que Lula e seus familiares se recusam a entregar os super-passaportes que ganharam durante o mandato do petista. E isso não incidirá em qualquer dano contra o ex-presidente. Ele sairá ileso, tanto judicial quanto politicamente.

Já o “Mensalão”, cujo processo deve prescrever em pouco tempo, anda esquecido. Dias atrás, um procurador tentou incluir Lula no processo. Ele afirma que o petista é um dos culpados e, sem ele, outros também sairão impunes, como José Dirceu. Para o procurador, não haveria “mensalão” sem Lula.

No entanto, o ex-presidente não entrará no processo. O “Mensalão”, caso seja julgado pelo Superior Tribunal Federal - STF, nada renderá à nossa política. Se houver pena, será mínima. Mas há grande possibilidade de que todos sejam inocentados.

Lula, como se vê, é a própria personificação da nossa malandragem. Deu-se bem por isso.

Ainda assim ouso dizer que um dia seremos civilizados, tal como os europeus. Apenas precisamos de mais alguns séculos de domesticação.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Tão humano quanto bárbaro


Parece que tudo o que havia a ser dito a respeito do recente episódio de terror ocorrido no Rio já o foi. O fato é que ficamos assustados, perplexos com a capacidade humana de destruição. Um indivíduo entrar numa escola e ceifar a vida de diversas crianças é obviamente um absurdo inesperado, será?

A história nos retrata incontáveis episódios de violência e barbáries perpetrados pela sociedade. É claro, que podem ser justificados pela cultura da época e costumes locais. Mas isso não remove da espécie humana a latente capacidade de promover manifestações de violência e sua tremenda capacidade de destruição pelas mais diversas formas e meios.

O que dizer das torturas medievais? Quase sempre analisamos a história focada nos instrumentos de torturas, mas o que pensar dos carrascos, de sua frieza? E de nós mesmos, que admiramos mais a engenhosidade das ferramentas do que o sofrimento por elas infringido aos condenados. Aqui também abrigaria uma discussão ética, mas não é o caso. A verdade é que o homo sapiens é o ser mais cruel conhecido. Afinal, pode matar, subjugar, destruir sem causa aparente, simplesmente por um desejo oculto, ou nem tão oculto assim.

É conhecido que mulheres pagãs queimavam seus filhos recém nascidos nas incandescentes mãos metálicas de esculturas de bronze ou cobre recheadas de brasas acessas. Mais uma vez a cultura ou costumes tendem a justificar tais atos, mas não as acode da acusação aqui descrita. O holocausto e a guerra da China, entre outros episódios são exemplos de crueldade perpetrada por humanos que, como qualquer um de nós, têm problemas para lidar com o poder ou com instrumentos que remetem a ele.

Tudo isso demonstra que nossa perplexidade consiste não no fato em si, mas na proximidade deste. É bem mais fácil assimilarmos o problema no quintal alheio do que conviver com a barbárie dentro de casa. Isso só nos mostra o quanto somos frágeis e expostos a situações que muitas das vezes são encorajadas por nossa total complacência com pequenos hábitos que em conjunto explodem em barbáries como as vistas não só no episódio específico do Realengo, mas em diversas outras situações que, de tão integrados ao nosso cotidiano, passam imperceptíveis.

E assim caminha a humanidade, cada vez mais longe da fé, da educação, do conhecimento e de qualquer outra forma válida de amenizar as manifestações de injustiça e crueldade.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Quem vai dar um jeito no Brasil?

A pergunta que dá título a este texto não é minha. Certamente alguém já deve ter proferido ou ouvido um conhecido proferir esta peculiar indagação. “Quem vai dar jeito no Brasil?”. Ou quem sabe esta sentença: “O Brasil não tem jeito”. E até mesmo esta: “Os governos têm de tomar uma atitude!”. São várias as indagações e sentenças, vindas de todos os lugares, dirigidas a todos os públicos.

O assunto que trato agora não é o centro da discussão que pretendo aqui. Os motivos que levam à construção deste texto pretendem ser de outra natureza. Cito o caso mais falado na última semana não como exemplo, visto que se trata de um fato atípico, mas porque esta discussão nasceu dele.

Com a tragédia ocorrida numa escola no Rio de Janeiro, os brasileiros voltaram a ter contato com a miséria da condição humana. Um débil mental invadiu um colégio e executou mais de uma dezena de crianças, além de deixar outras gravemente feridas. O psicopata, após ser baleado por um policial, suicidou-se. Um desastre provocado pelo homem contra sua própria espécie e contra si mesmo.

Os turbilhões de pessoas assustadas, comovidas e aterrorizadas com o acontecido, pudemos ver nos noticiários televisivos, atribuíam à sua causa inúmeros fatores. No entanto, foi uma senhora de meia que idade, em prantos, que fez o seguinte questionamento: “Quem vai dar jeito nesse Brasil? O governo, as pessoas têm que tomar uma atitude!”. De pronto, minha comoção ante o desastre na escola cedeu lugar ao rancor com essa espécie estranha chamada “povo brasileiro”.

Acostumados ao paternalismo, habituados a esperar que todas as providências venham prescritas em políticas públicas, o brasileiro parece ter esquecido que elementos subjetivos, como os valores éticos e morais, o respeito ao outro, entre outras coisas, advém do corpo social, do qual o governo também faz parte – pode não parecer, mas este também é composto por pessoas. Assim, alijados desses componentes, segurança e justiça – coisas pelas quais os indivíduos sempre clamam - são elementos ininteligíveis e impraticáveis.

Aqui ultrapassamos o caso do assassino que invadiu a escola. Este acontecimento, tendo a crer, é atípico. Todavia, o clamor do brasileiro por paz, segurança, ordem e etc, é corriqueiro. Quando aquela senhora, em prantos, clamou por uma atitude, logo imaginei uma gravura inusitada e, por que não, engraçada. A imagem se constituía de milhões de pessoas, unidas numa praça pública, entreolhando-se e bradando: “alguém tome uma atitude!”.

Essa tal atitude, contudo, não é uma lei, uma política pública ou qualquer uma das medidas toscas que os homens sempre concebem ou relembram nessas horas. Mais segurança nas escolas, desarmamento da população, entre outras coisas, são medidas paliativas e de eficácia para lá de duvidosa.

O caso do assassino “religioso” talvez não seja fruto de nenhum erro do Estado ou da sociedade, visto que se tratou de um caso de demência. Contudo, inúmeros acontecimentos devem sua origem à falência da família, enquanto criadora de valores, e do Estado, enquanto provedor de segurança. Ninguém irá atender ao clamor daquela senhora, ao seu apelo por “uma atitude”. Talvez nem ela mesma.

Os próximos meses, posso apostar, serão de intensa retomada de ideias tortas e ações toscas no campo da política. Nada que atenda às aspirações maiores dos brasileiros na atualidade: paz e segurança. Mas, de nossa casa, prostrados em frente à televisão, aprovaremos ou criticaremos o que o Governo está fazendo por nós.

domingo, 13 de março de 2011

Conhecer o outro

Em meio a tantas intrigas humanas, ao ódio às outras culturas, aos pensamentos opostos, aos valores desconhecidos, dentre outros infindáveis elementos distintos de nossa concepção de mundo, torna-se inexorável não questionar o porquê da não aceitação do diferente. O olhar para nossa história – a história de todas as nações – escancara os contrastes ideológicos, religiosos, raciais, territoriais. Enfim, uma infinidade de elementos construídos que corroboram o distanciamento entre os homens. Por outro lado, as ciências humanas buscam esclarecer as imbricações destes conflitos, elencando soluções que contribuam para sanar as mazelas ocasionadas por essas iniquidades – como a dissolução das desigualdades entre pobres e ricos, brancos e negros, judeus e muçulmanos, dentre outros contrapontos.

Como estes conflitos, os homens também são construídos pelo viver em sociedade. Assim, desde pequenos somos condicionados a determinados pensamentos por nossos pais, professores, amigos, e todos que nos cercam. Todavia, do mesmo modo como agregamos as virtudes, assimilamos os vícios daqueles que nos constituíram como homens. Tomemos como ilustração a honestidade e os valores morais de nossos pais, oriundos de sua fé religiosa. Em nosso dia-a-dia, na constituição da nossa religiosidade, recebemos os bons valores – católicos, islâmicos, judaicos, etc - contrabalançadas por preconceitos em relação às outras religiões, ao candomblé, por exemplo. Sem contar o preconceito de todos estes contra os ateus.

Desse modo, imbuídos desse vício herdado por nossos pais, mesmo desconhecendo o rosto e a história do que nos foi mostrado como oposto e, por isso, errado – e até mesmo inferior – tratamos de manter distância desses “opositores”, isto quando não entramos em conflito com eles.

Constituído o preconceito, este passa a compor nosso discurso, pois o retransmitimos aos filhos, amigos, familiares, etc. Notemos, porém, que se dissemina um ódio descontextualizado, uma vez que o discurso preconceituoso não requer elementos que o fundamentem, basta aquilo que recebemos em nossa formação na infância e na adolescência. Os eternos conflitos no Oriente Médio são reflexos desse vício hereditário, onde crianças são incitadas ao ódio e à guerra. Os inúmeros embates entre os países do Oriente Médio são consequência da história desse território. Ali nasceram as três principais religiões monoteístas do planeta – cristianismo, islamismo e judaísmo – que ainda hoje lutam entre si.

Análogos aos conflitos de ordem religiosa, os embates étnicos revelam-se uma das mais intrincadas e polêmicas discussões acerca do homem. As distinções entre cores e culturas acarretaram numa história de massacre e dominação de uma etnia por outra. A escravidão aparece como elemento comum à constituição da sociedade desde antes de Cristo, deixando marcas que ainda hoje são perceptíveis. O racismo é alvo de inúmeros estudos em todo o mundo, nos quais buscam-se diretrizes que, além de diluírem os sentimentos de desprezo pelo diferente, tratem de corrigir as disparidades construídas em séculos de escravidão.

Todavia, nenhuma ação que vise retificar através de imposições jurídicas – como as ações afirmativas - o que foi erguido em um processo contínuo de formação pode ser implementado sem que se incida num conflito entre favorecidos e não favorecidos. Isto porque a correção de uma mazela que não foi perpetrada na atualidade – e que, portanto, é matéria desconhecida para o não beneficiado – já nasce fadada a um erro que é oriundo da descontextualização histórica do objeto a ser sanado. Ou seja, mesmo que ainda haja cicatrizes suscitadas nos tempos de escravidão, devem-se remendar as disparidades existentes hoje, não as de séculos atrás.

Mas o problema, não apenas do racismo, mas de qualquer outro tipo de etnocentrismo é de ordem cultural, origina-se – como exposto anteriormente – nos anos em que nos constituímos como homens: na infância. E, assim como nos primeiros anos de vida somos acometidos pelos preconceitos que se arraigarão em nós com o passar do tempo, é também nessa etapa de nossa existência que todo e qualquer tipo de pensamento que tome o outro como inferior deve ser dissolvido.

Umberto Eco evidencia a importância de se voltar para as crianças em seus Cinco escritos morais, pois os adultos são fadados à petrificação de ideologias que depreciam a cultura alheia, tornando-se estes seres inflexíveis à mudança, o que nunca irá ocorrer àqueles. Logo, o contato desde cedo com o diferente é capaz de incutir nos jovens algo que não chega sequer a ser entendido como aceitação, visto que na infância não criamos barreiras entre nós e os outros. Em uma relação de coexistência harmoniosa e mútuo conhecimento entre as distintas culturas da humanidade fica improvável que essa afinidade se perca com o tempo.

A fim de se dissipar com a não aceitação do outro, é imperioso que se modifiquem as formas de educar as crianças. O ensino da cultura e da história de toda a humanidade, incluindo-se as das diversas manifestações de crença dos homens, são fatores cruciais para uma nova formatação dos homens. É preciso que, desde cedo, as crianças compreendam o colega negro ou oriental, o vizinho muçulmano, católico ou evangélico, em detrimento de um ensino que visa à homogeneização como o que hoje impera no mundo. Faz parte do processo de educação ressaltar a necessidade do diferente, pois, como ensinou Lévi-Strauss, é no outro que nos reconhecemos.

Um ensino que percorra o surgimento do homem, suas conquistas e suas derrotas, suas construções, os diferentes modos de viver, suas mitologias e crenças. Um processo que demonstre que as diferenças entre os homens oriundam, estranhamente, de suas semelhanças, da angústia e do medo, da necessidade de sobreviver. Não se trata aqui de uma utopia, visto que temos um sistema de ensino – negligente, mas ainda assim um começo. O grande percalço para que esse progresso aconteça é a outra constatação de Umberto Eco, um paradoxo: para que nossas crianças sejam formadas com um novo olhar, um olhar de união, quem educará nossos professores (e todos os adultos) para isso?

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O direito de educar os filhos e o erro de isolá-los do mundo



É certo que os verdadeiros responsáveis pela educação dos filhos são os pais. Foge a qualquer propósito de um Governo ditar aos cidadãos, aos quais presta serviços – e nada mais que isso –, como eles devem educar sua prole. Ao Estado cabe fornecer escola gratuita – alguns preferem que se deem subsídios aos pais, para que paguem escolas privadas. Aos pais competem a escolha da escola que melhor proporcione aquilo que eles entendem como um bom ensino, como a que se localize mais próxima de seus lares, ou a que tenha os melhores professores, o prédio mais bonito, entre outras coisas.

Tudo isso parece muito simples. E deveria ser. O problema é que carecemos de um ensino de qualidade. Mesmo algumas escolas privadas brasileiras são, segundo alguns pais, inferiores às existentes no exterior. E, diante deste prognóstico, de vez em quando tomamos conhecimento de pais que estão sendo processados pelo Estado por não matricularem seus filhos em instituições de ensino – algo proibido no Brasil. Alegando motivos diversos, um bom número destes de viés etnocêntrico, alguns pais estão decidindo educar seus filhos em casa. Dias atrás, num telejornal, um destes indivíduos afirmou que seu filho não deveria ser obrigado a ir à escola, onde conviveria com “estranhos”.

Nota-se neste entremeio duas questões que se entrechocam. Como dito anteriormente, deve-se aos progenitores a responsabilidade na escolha do melhor meio de educar seus rebentos. Contudo, outra questão remete aos males suscitados por escolhas errôneas de alguns pais, que isolam seus filhos do convívio social ao decidirem educá-los dentro de casa.

A escola, mais que qualquer outra instituição, é um ambiente de convívio. Além das mesas e cadeiras, dos livros e cadernos, há em cada sala de aula um pequeno mundo. É ali que aprendemos um pouco do outro, com as dezenas de colegas que temos contato ao longo dos anos de estudo. Ali também conhecemos uma autoridade distinta da paterna - que até então era a única que conhecíamos -, revelada na imagem de professores, inspetores, diretores e demais funcionários da escola.

Privar crianças deste tipo de mundo é incorrer num erro quase sempre fatal. Criam-se, deste modo, sujeitos incapazes de interagir socialmente, pelo simples fato de não entenderem e não conseguirem se fazer entender pelo outro.

Pode soar forçado, mas a história do jovem Kaspar Hauser (que pode ser vista no filme O Enigma de Kaspar Hauser, de Werner Herzog) revela um caso extremo desta forma de isolamento. Preso durante anos num estábulo, alimentado a pão e água, e sem qualquer contato com outro ser de sua espécie, Kaspar Hauser, ao ser abandonado na cidade, tem sérias dificuldades para se adaptar ao convívio social e de distinguir sonho de realidade. Sua história, marcada pela incapacidade de compreensão, culmina numa tragédia.

Sim, seria um exagero crer que tal caso possa acontecer com crianças que são retiradas por seus pais do convívio escolar. Mas o exagero pode estar apenas no grau de desajuste futuro do jovem na sociedade. Os isolados terão, com certeza, maiores dificuldades para enfrentar determinadas barreiras sociais do que aqueles que tiveram a oportunidade de brincar, brigar, levarem bronca dos professores, entre outras coisas próprias do convívio em sociedade.

Desse modo, a liberdade de escolher a melhor forma de fazer o que se quer – liberdade que defenderei até o fim de minha vida – leva alguns e incorrerem numa notável tolice. Temos o direito de escolher o melhor para nós e nossos filhos. Contudo, é erro acreditar que o mundo está – e estará sempre - dentro de nossa própria casa.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Hobbes, o Estado e o marginal

Para aqueles que desconfiam da capacidade do Estado em garantir saúde, educação e segurança, o caso ocorrido nos últimos dias do adolescente de 14 anos preso pela décima sexta vez em São Paulo não deveria soar constrangedor. A ineficiência do poder público em tratar de qualquer coisa que não remeta à apropriação particular da coisa pública é prosaica. Contudo, o espírito otimista e esperançoso típico do brasileiro – até mesmo dos mais realistas - não cansa de se surpreender. Resta saber até quando.

Ao esboçar sua teoria do contrato social, o filósofo inglês Thomas Hobbes defendeu que os homens fizeram surgir um poder soberano, representado pelo Estado, a fim de se autopreservarem. Era um modo de ultrapassar o Estado de natureza, no qual os homens estavam livres propensos à discórdia e à guerra.

Foi de um “contrato social”, na teoria de Hobbes, que se fez surgir o Estado civil. Nesta ordem, todos os indivíduos estão submetidos ao seu soberano, em nome de sua própria segurança – no intuito de não cair numa “guerra de todos contra todos”. A este estado ficaria submetido o que podemos chamar, empregando a definição do sociólogo Max Weber, de monopólio da violência. Assim, o Estado se ancora nas armas a fim de que a ordem e a lei sejam cumpridas.

Muita teoria.

Na filosofia hobbesiana, o Estado é comandado por um soberano, um déspota. Cabe a ele a concepção de leis e direitos civis. A ele estão submetidos todos os aparelhos coercitivos do Estado. Algo assim foge absolutamente a qualquer filosofia política contemporânea. Trata-se, obviamente, de uma ditadura. Se vivesse hoje, talvez Hobbes não defendesse mais este modelo, o qual se assemelha ao empregado em países como China, Cuba e muitos países do Oriente Médio.

Podemos crer que os Estados hoje são mais complexos. O poder emana do povo, como o quis Rousseau – outro filósofo que abordou a teoria do contrato social. A soberania não se concretiza na imagem de um tirano, mas em uma massa de indivíduos. O Estado é hoje comandado por sujeitos eleitos pelo povo. O poder coercitivo, no entanto, aquele que existe no intuito de promover o cumprimento das leis na teoria de Hobbes, ainda cabe a este Estado. Trata-se, como se vê, de um paradoxo: o Estado continua a existir e ainda compete a ele a manutenção da ordem. Não obstante, o império da violência, o fantasma da discórdia e o medo da guerra ainda perduram neste modelo.

O caso do menino de 14 anos com inúmeros crimes cometidos e diversas passagens pela polícia suscita não apenas uma discussão acerca da incapacidade do Estado moderno de prover segurança. Os investimentos em segurança são medidas paliativas. O adolescente preso dezesseis vezes pela polícia é fruto de uma incompetência própria do Estado não apenas em garantir a proteção de seus “súditos”, mas também de lhes fornecer educação. Resta, com isso, uma educação fraca – muitas vezes inexistente -, que cria pais frouxos e incapazes de transmitirem valores aos filhos.

Sem a educação como potencial remédio para prevenção de conflitos sociais, como mantenedora do Estado civil moderno, a violência tende a imperar sem a existência do soberano déspota de Hobbes – figura que na atualidade também é um atraso.

De qualquer modo, alijados de um Estado que não garante mais a ordem através da “espada”, e que também é ineficiente nas outras esferas de ação - muito correlacionadas, como o caso da educação -, parece que o que se impõe é o Estado de natureza.

O adolescente marginal, que descobriremos o nome daqui a quatro anos, em sua maioridade - quando novamente estiver nas páginas dos noticiários -, junta-se a um sem número de semelhantes e retrata nosso estado de natureza com Estado.

Sem a capacidade de prover segurança, o Estado civil deixar de ter fundamentos na filosofia de Hobbes. E, para nós, um adolescente de 14 anos demonstra que gastamos tempo e dinheiro num modelo que não funciona.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Uma crítica à direita



Quem leva a pecha de “direitista” decerto sofre ou já sofreu com a solidão de suas ideias. Em terras tupiniquins, saiu de moda acreditar que os ideais de liberdade estão além de qualquer desmande governamental. Não partilhar dos delírios adocicados de um Estado paternalista, segundo nossos muitos esquerdistas, é ser conservador – outra pecha que denota as confusões terminológicas dessa intelligentsia.

Mas este texto não tem como alvo essa camada de nossa intelectualidade. Pelo contrário, dirige-se aos que partilham de ideais opostos. Falo aos defensores do capitalismo, este fruto da liberdade e da livre iniciativa do homem.

É constatação comum no Brasil o fato de que a chamada “direita” é vista com maus olhos por diversos setores sociais. Isto se dá pela lembrança distorcida da Ditadura Militar, acontecimento recente de nossa história. O termo “direita” - nome empregado com vistas a definir conservadores e liberais – passou a ser negativo. Ser de direita, para os brasileiros, é ser defensor do regime totalitário ocorrido no Brasil.

Outro problema, talvez pior para um jovem de direita, repleto de ideais, é ser vinculado a pessoas que nada tem em comum com qualquer tipo de ideologia. Tempos atrás, ainda na graduação, um professor tomou conhecimento de minha linha ideológica e não se furtou de fazer graça: “Você é da turma do Maluf, então?!”.

Talvez seja essa a imagem que o professor faz da direita: fisiologismo, corrupção, mau-caratismo, etc, etc. Mas não o culpo por isso.

A direita – a ideológica, digo, como se houvesse uma que não o fosse - praticamente não existe em nosso cenário político. Dias atrás, no blog de um jornalista, deparei-me com uma crítica bastante consistente acerca dos partidos políticos brasileiros. Num texto em que defendia que a formação política é imprescindível tanto para a direita quanto para a esquerda, o autor notou que apenas um partido – e de esquerda – disponibilizava textos aos que visitassem sua página na internet. Como de direita, o blogueiro citou erroneamente o PSDB.

Mas o caso é que a solidão dos homens posicionados à direita dessa espécie de tabuleiro que mede o perfil ideológico de cada um espraia-se ainda mais quando levamos em conta a ação política. Diria que há muito mais de fisiológico do que de ideológico nos 27 partidos brasileiros. Contudo, as legendas de esquerda ainda mantém alguns de seus ideais.

Se comparássemos as ações de nosso maior partido considerado de direita, o Democratas, com as do Partido Republicano dos Estados Unidos, haveria uma colossal diferença (Não esqueço que o DEM votou pelo fim do Fator Previdenciário e pelo aumento de mais de 7% aos aposentados, com claros indícios de que isso aterraria a economia do país).

Se na política, contudo, a direita continua sendo sinônimo de Maluf e DEM, fora dela há uma crescente associação de estudantes, jornalistas, artistas e intelectuais simpáticos a essa ideologia. Além do Instituto Liberal e do Ordem Livre, o Instituto Millenium e o Movimento Endireita Brasil, entre outros, estão fazendo avanços e pondo fim, paulatinamente, no medo de ser “de direita” que é suscitado nos jovens brasileiros desde o Ensino Fundamental.

Falta agora que toda essa mobilização ganhe repercussão em nossa política. Hora de sair do âmbito teórico e desembarcar de vez na prática política. Quem sabe as milhões de abstenções ocorridas nas últimas eleições não foram um sinal de que faltam exemplares dessa tal direita dignos de voto.