quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Mundo desumano: aonde anda a razão?
















Dos primeiros passos do homem na lua ao desastre no Haiti, um espaço de décadas denota os muitos avanços da humanidade, mas sempre em contraste com fatos que nos mostram a eterna miséria em que vivemos. Não falo da miséria da fome, pois esta não acomete a todos os homens, mas da penúria da razão, do pensamento. Ou seja, trato de nossa indigência e vazio intelectual.

A tragédia que ocorreu dias atrás no Haiti me faz cometer a blasfêmia de duvidar da razão. Sim, estariam absolutamente errados os positivistas franceses e até neopositivistas, como o italiano Norberto Bobbio e o brasileiro José Guilherme Merquior. Em verdade, a razão não existiria, é uma mera utopia peculiar ao que Freud poderia chamar de um infeliz sentimento de superioridade do homem.

Pois sim, a razão deveria nos levar a um progresso constante, em busca de um viver mais harmônico, sem que se recaia em fantasias como as de Thomas More. No entanto, como essa mesma razão pode nos sonegar uma realidade tão acabrunhante quanto a miséria em um país tão miserável como o Haiti? E pior, como a ciência, irmã da razão, pode levar-nos à lua, refutando a existência de um traço tão patente de nossa pobreza? E, em suma, como o progresso distancia-se de si mesmo em tão alarmante medida?

A essas perguntas respondo com um prosaico e pífio “não sei”. Em verdade, essa é a grande essência dessas linhas: um singelo não saber, que exemplifica a leviandade do homem em relação ao Haiti, à África ou à miséria em todos os cantos. Realmente não sabemos como agir, ou, simplesmente, esquecemos. Todavia, ao pensar assim, através da imagem da bondosa brasileira Zilda Arns, vitimada pelo terremoto nessa pobre ilha na America Central, noto que nem todos se esquecem de como agir.

Dona Zilda, como concluiu bem Eliane Catanhêde, é um retrato de tudo aquilo que desejamos ser, mas acrescento: nunca seremos. No entanto, a médica e sanitarista, ao ajudar milhões de crianças em todo o mundo, quem sabe não guiara-se em nome apenas da razão, mas também do amor. Ou, como ouvi de um professor meses atrás, buscou o que ele tenta arduamente conseguir em seu dia-a-dia, que é não agir egoisticamente, como já estamos habituados a viver.

O descaso dos países ricos em relação aos países pobres, e até mesmo dos governantes destas nações com seu povo, denotam o ridículo de nossa existência. Na verdade, uma existência em nome do dinheiro e do poder, não do progresso. E mais, reitera o quanto somos egoístas.

Como podemos chegar à Lua, Marte e Plutão, se somos incapazes de garantir ao vizinho do lado o mínimo necessário para sua sobrevivência na Terra? A razão deve nos levar a um progresso completo, de modo que todos possam partilhar dos sabores deste mundo. Por assim pensar, soam ridículos os passos de Neil Armstrong em nosso satélite.
Assim como beira o grotesco a destruição e a miséria no Haiti.

O que fica é que talvez nossa miséria não seja fruto apenas da inexistência da razão, mas da carência desse amor que era tão comum em Zilda Arns. Ou, se não há amor, quem sabe então seja reflexo de nosso cômico egoísmo.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O espetáculo da imprensa e a corrupção do cotidiano



O dia-a-dia de nossa imprensa parece demarcado pelo apocalipse da corrupção política. Talvez nunca tenham sido veiculadas tantas denúncias de corrupção como nos últimos cinco anos. As notícias de falcatruas de nossa classe política viraram o grande elemento de constituição de jornais e revistas. Por trás dessa pandemia tresloucada, interesses de todas as espécies: poder, dinheiro, ideologia, etc. Ou, quem sabe, o tom dado pelos jornalistas acerca da corrupção política seja apenas uma forma de retaliação ante a impunidade e o silêncio dos cidadãos. Mas, de qualquer modo, tais excentricidades perpetradas por nossa mídia podem acarretar em uma visão negativista e também apocalíptica da população em relação à política.

Não podemos medir as influências da imprensa no cotidiano dos cidadãos. No entanto, conceber que o negativismo imposto por nossos jornais e revistas influencia pesarosamente nas ações das pessoas não é nenhum desvario. Como bem afirma Contardo Calligaris (A armadilha da corrupção, 03/11/2005, Folha de SP), a imprensa, mesmo fazendo o que deve fazer, que é publicar o que ela descobre, acaba por incutir em seus leitores o lugar-comum de que todos são corruptos. Isso os inibe, segundo o psicanalista, em sua capacidade de agir.

Todavia, além do crescente espetáculo em cima da corrupção impetrado pela imprensa fazer com que os cidadãos criem certa repulsa pela política, ele é capaz de influenciar as pessoas a construírem determinadas formas de retaliação. O famoso jeitinho brasileiro, bem sabemos, é capaz ser esticado ao ponto de extrapolar com a moral. Assim, as inúmeras e corriqueiras ações dos cidadãos em seu dia-a-dia, sejam através de sonegação de impostos, de compra de produtos pirateados, de oferecimento de propina a funcionários públicos podem ser uma forma de contrapartida às ações ilícitas de nossos políticos.

Segundo antropólogos, o “jeitinho brasileiro” é uma espécie de refúgio ou saída que a população encontrou para sobreviver no Brasil. Isso oriunda dos tempos em que o país era colônia de Portugal, quando nossos índios tinham que ser hábeis no trato com os portugueses a fim de garantirem sua sobrevivência. E, hoje, é uma forma de se sustentar ante políticos e empresários.

Resta saber quem são os verdadeiros culpados, ou melhor – como, juridicamente, todos o são – quem são os precursores do sentimento de corrupção generalizada. Isto é, em um país como o Brasil, onde os políticos, os empresários e os cidadãos cometem atos ilícitos, quais são os responsáveis pela corrupção, ou, quem influencia mais essa pandemia cíclica e corrosiva.