sexta-feira, 25 de junho de 2010

O labirinto de todos os nomes

“Felizmente, graças à inesgotável generosidade da imaginação, cá vamos suprindo as faltas, preenchendo as lacunas o melhor que se pode, rompendo passagens em becos sem saída e que sem saída irão continuar, inventando chaves para abrir portas órfãs de fechadura ou que nunca tiveram.” (trecho de A viagem do elefante, de José Saramago)

A morte de José Saramago, na última semana, trouxe-me a sensação angustiante do arbítrio da morte. Jamais tive de me habituar, visto minha pouca idade, ao anúncio da morte de alguém que, na calada da noite, libertava-me do tédio, apaziguava-me o espírito e me acompanhava nas horas aflitas de insônia. Nunca vi partir um escritor prezado ou algum compositor que, com suas palavras, impregnava-me de uma sensação de vida não vivida, de lugares não vistos e sensações ainda não sentidas. Praticamente todos aqueles que haviam preenchido as horas de tédio de minha adolescência já descansavam dos infindos labirintos desta vida.

Sempre que refleti sobre a labuta incansável de um escritor, e seu diálogo incessante com as palavras e a imaginação, labirintos de todos os tipos e cores emergiam como que respondendo à indagação que, ou eu não ousava, ou procurava afugentar de meus pensamentos. Escrever e imaginar paisagens, cenas, vidas existentes apenas na imaginação e na folha de papel, coisas que as palavras fazem nascer e agir. Os labirintos que se esboçam na cabeça de quem escreve, sozinho com sua máquina de escrever, parecem ser o desígnio de um escritor, como foi o de José Saramago.

Logo que dei pela morte de José, outro homem, de nome semelhante, lembrou-me do labirinto. O labirinto de ‘Todos os nomes’, a segunda obra do escritor português que tive a oportunidade de ler. Assim como o escritor, o personagem é colocado num universo de entradas e saídas. Lugares solitários em que somente o pensamento o acompanha, no exercício intrépido de encontrar a única saída. Um labirinto de nomes, de pessoas comuns, perdidas em seu próprio labirinto.

José Saramago, assim como todo bom escritor, parecia perdido nesse universo próprio, imaginado e terminado por ele. Denominava-se comunista e defendia a democracia. Foi o seu ateísmo que chamou minha atenção e me fez ler o polêmico O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro que horrorizou a Igreja Católica, que fez proibir a sua venda em Portugal.

A morte de Saramago representa o fim de um dos maiores escritores contemporâneos. Recordando minha adolescência, lembrando de escritores que contribuíram de algum modo para o que sou hoje, sobra-me apenas um gênio, Gabriel García Marquez.

A vida desses tantos homens, que preenchem as prateleiras das deliciosas edificações as quais damos o nome de biblioteca, contudo, parece não ter fim. Não conheci Machado de Assis, Graciliano Ramos, nem tampouco Saramago enquanto em vida. No entanto, eles parecem invadir e tomar um espaço dentro de mim que somente quando eu descansar do meu próprio labirinto irá se dissipar.

Talvez seja essa a alegria de escrever, de criar histórias e esperar que ao menos uma criatura em todo o mundo as leia. Quem escreve decerto sabe dos receios de se adentrar em um mundo do qual não se conhece a saída, e nem quais serão os mistérios guardados em seu interior. E assim, encontrando-se a saída, talvez essa espécie de imortalidade cuide de trazer um pouco de satisfação.