sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O mesmo natal todo ano


Todo fim de ano é de intenso déjà vu. Dezembro remete-me às velhas e entediantes canções natalinas, às lindas montagens da Globo feitas em cima do: “hoje é um novo dia, de um novo tempo que começou”. Quando criança via e ouvia tudo com um sorriso bobo que só os inocentes podem ter. Mas, hoje, tudo o que sinto é o tédio. Fim de ano é o esquecimento de todos os destemperos de um ano inteiro; ignora-se as intrigas, põe-se fim às intolerâncias, vive-se uma semana de amor, de paz, de fraternidade etc. Homens e mulheres ensaiam a tolerância, abraçam inimigos, perdoam desafetos. Tudo lindo, como sempre. Os homens têm, enfim, uma data para conviver em harmonia.

Certamente quem inventou o natal era provido de boa vontade. Depois de tantos e tantos dias de guerras, de palavras avassaladoras, de socos e pontapés, uma semana cuidaria de trazer novamente a paz aos homens. O natal serviria para dissolver as indiferenças, preparar terreno para um próspero e feliz ano novo. Daí a repetição entediante. A ceia é o momento da confraternização, um momento único, quando depois de quase 360 dias as famílias conseguem finalmente reunir seus pares.

Pouco posso dizer da hipocrisia do natal, pois, sendo homem, faço parte desse ritual penoso. Fugir à data seria quase um sacrilégio, uma decepção para todos. Não fazer parte do natal é aderir não apenas a 358 dias de intrigas, revoltas e guerras, mas sim aos 365 que compõem o ano. Seria uma fuga à falsa ou verdadeira conciliação. Infelizmente, aos homens, tornou-se mais conveniente a guerra o ano inteiro e o perdão no natal. Um 25 de dezembro forjado, uma confraternização comercial.

O natal coube bem a um mundo de pressa e de conflitos. É o dia em que os vizinhos são toleráveis, familiares tornam-se até mesmo simpáticos. Troca-se presentes com um sorriso forjado pelo álcool da champagne. Todo fim de ano é igual. O mesmo natal, com a figura do papai generoso, do sentar-se à mesa com a família. É todo ano a mesma coisa. O mundo parece que, a medida que cria suas guerras, constrói também seus momentos de paz, absolutamente temporários, é claro.

Passarei o natal em casa, como nos 20 anos anteriores. Novamente a velha sensação de amargura pelo dia construído por hipocrisias. Serão beijos e abraços, um feliz natal, um próspero ano novo. E virão novamente as mesmas intrigas, os velhos conflitos, esperando o próximo fim de ano para que todos voltem à paz.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

sentimentos ESCABROSOS




















O mundo nunca viu tamanhas escabrosidades. Os homens já não sabem o que dizem, e quando dizem são sentimentos bizarros, ininteligíveis, abstratos. A contemporaneidade é permeada de riscos, de manchas obscuras que tornam até mesmo a arte abstrata a mais fácil entendível manifestação. São pichações, telas repletas de manchas, de fantasmas do cotidiano, tudo tão boçal. Realmente, como previa certo barbudo séculos atrás, “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. A alma humana, nestes tempos de ócio, de pressa, de loucura, não capta mais a beleza que se podia ver anos atrás.

A arte é feita de sentimentos, assim, a beleza do amor era transcrita em belos livros, exprimida em belos quadros. Não havia manchas, o sentimento podia ser entendido. Os beijos, os abraços eram precedidos por olhares sinceros. Doce época em que o homem temia apenas a si mesmo. O caminhar das horas não os levava a essa febre horrenda e vazia. Chorava-se por paixão, morria-se pela amante. A arte de nossos tempos perdeu-se na imensidão de um mundo sem fronteiras. Hoje apóia-se a feiúra, esparrama-se tintas, diversas cores em paredes, em chãos, o céu torna-se preto, as belas tonalidades viram cinza.

As razões dessas existências escabrosas são, como elas, inexplicáveis. Como dizer que o homem desconhece o sentimento, exprimindo-o na primeira palavra. Os riscos em quadros e paredes assemelham-se a palavras que não podem ser ditas. Inventa-se novos meios de desafogo, bizarros e horrendos. O homem pratica sua arte, como sempre, descrevendo seus sentimentos. No entanto, quais sentimentos? Outros tantos aplaudem, admiram esculturas de monstros assustadores, quedam-se ante telas onde a tinta imita ossos emendados, pesadelos do dia-a-dia.

Outrora via os campos de trigo, hoje vejo os riscos na parede. Tempos de uma Monalisa perdida graças às insanidades e os sentimentos desconexos de homens banais. A banalidade do homem nunca soou tão escabrosa. A beleza, excomungada, cede espaço à feiúra contemporânea. Morre a arte, morrem os sentimentos, morrem os homens.