Em meio a tantas intrigas humanas, ao ódio às outras culturas, aos pensamentos opostos, aos valores desconhecidos, dentre outros infindáveis elementos distintos de nossa concepção de mundo, torna-se inexorável não questionar o porquê da não aceitação do diferente. O olhar para nossa história – a história de todas as nações – escancara os contrastes ideológicos, religiosos, raciais, territoriais. Enfim, uma infinidade de elementos construídos que corroboram o distanciamento entre os homens. Por outro lado, as ciências humanas buscam esclarecer as imbricações destes conflitos, elencando soluções que contribuam para sanar as mazelas ocasionadas por essas iniquidades – como a dissolução das desigualdades entre pobres e ricos, brancos e negros, judeus e muçulmanos, dentre outros contrapontos.
Como estes conflitos, os homens também são construídos pelo viver em sociedade. Assim, desde pequenos somos condicionados a determinados pensamentos por nossos pais, professores, amigos, e todos que nos cercam. Todavia, do mesmo modo como agregamos as virtudes, assimilamos os vícios daqueles que nos constituíram como homens. Tomemos como ilustração a honestidade e os valores morais de nossos pais, oriundos de sua fé religiosa. Em nosso dia-a-dia, na constituição da nossa religiosidade, recebemos os bons valores – católicos, islâmicos, judaicos, etc - contrabalançadas por preconceitos em relação às outras religiões, ao candomblé, por exemplo. Sem contar o preconceito de todos estes contra os ateus.
Desse modo, imbuídos desse vício herdado por nossos pais, mesmo desconhecendo o rosto e a história do que nos foi mostrado como oposto e, por isso, errado – e até mesmo inferior – tratamos de manter distância desses “opositores”, isto quando não entramos em conflito com eles.
Constituído o preconceito, este passa a compor nosso discurso, pois o retransmitimos aos filhos, amigos, familiares, etc. Notemos, porém, que se dissemina um ódio descontextualizado, uma vez que o discurso preconceituoso não requer elementos que o fundamentem, basta aquilo que recebemos em nossa formação na infância e na adolescência. Os eternos conflitos no Oriente Médio são reflexos desse vício hereditário, onde crianças são incitadas ao ódio e à guerra. Os inúmeros embates entre os países do Oriente Médio são consequência da história desse território. Ali nasceram as três principais religiões monoteístas do planeta – cristianismo, islamismo e judaísmo – que ainda hoje lutam entre si.
Análogos aos conflitos de ordem religiosa, os embates étnicos revelam-se uma das mais intrincadas e polêmicas discussões acerca do homem. As distinções entre cores e culturas acarretaram numa história de massacre e dominação de uma etnia por outra. A escravidão aparece como elemento comum à constituição da sociedade desde antes de Cristo, deixando marcas que ainda hoje são perceptíveis. O racismo é alvo de inúmeros estudos em todo o mundo, nos quais buscam-se diretrizes que, além de diluírem os sentimentos de desprezo pelo diferente, tratem de corrigir as disparidades construídas em séculos de escravidão.
Todavia, nenhuma ação que vise retificar através de imposições jurídicas – como as ações afirmativas - o que foi erguido em um processo contínuo de formação pode ser implementado sem que se incida num conflito entre favorecidos e não favorecidos. Isto porque a correção de uma mazela que não foi perpetrada na atualidade – e que, portanto, é matéria desconhecida para o não beneficiado – já nasce fadada a um erro que é oriundo da descontextualização histórica do objeto a ser sanado. Ou seja, mesmo que ainda haja cicatrizes suscitadas nos tempos de escravidão, devem-se remendar as disparidades existentes hoje, não as de séculos atrás.
Mas o problema, não apenas do racismo, mas de qualquer outro tipo de etnocentrismo é de ordem cultural, origina-se – como exposto anteriormente – nos anos em que nos constituímos como homens: na infância. E, assim como nos primeiros anos de vida somos acometidos pelos preconceitos que se arraigarão em nós com o passar do tempo, é também nessa etapa de nossa existência que todo e qualquer tipo de pensamento que tome o outro como inferior deve ser dissolvido.
Umberto Eco evidencia a importância de se voltar para as crianças em seus Cinco escritos morais, pois os adultos são fadados à petrificação de ideologias que depreciam a cultura alheia, tornando-se estes seres inflexíveis à mudança, o que nunca irá ocorrer àqueles. Logo, o contato desde cedo com o diferente é capaz de incutir nos jovens algo que não chega sequer a ser entendido como aceitação, visto que na infância não criamos barreiras entre nós e os outros. Em uma relação de coexistência harmoniosa e mútuo conhecimento entre as distintas culturas da humanidade fica improvável que essa afinidade se perca com o tempo.
A fim de se dissipar com a não aceitação do outro, é imperioso que se modifiquem as formas de educar as crianças. O ensino da cultura e da história de toda a humanidade, incluindo-se as das diversas manifestações de crença dos homens, são fatores cruciais para uma nova formatação dos homens. É preciso que, desde cedo, as crianças compreendam o colega negro ou oriental, o vizinho muçulmano, católico ou evangélico, em detrimento de um ensino que visa à homogeneização como o que hoje impera no mundo. Faz parte do processo de educação ressaltar a necessidade do diferente, pois, como ensinou Lévi-Strauss, é no outro que nos reconhecemos.
Um ensino que percorra o surgimento do homem, suas conquistas e suas derrotas, suas construções, os diferentes modos de viver, suas mitologias e crenças. Um processo que demonstre que as diferenças entre os homens oriundam, estranhamente, de suas semelhanças, da angústia e do medo, da necessidade de sobreviver. Não se trata aqui de uma utopia, visto que temos um sistema de ensino – negligente, mas ainda assim um começo. O grande percalço para que esse progresso aconteça é a outra constatação de Umberto Eco, um paradoxo: para que nossas crianças sejam formadas com um novo olhar, um olhar de união, quem educará nossos professores (e todos os adultos) para isso?