segunda-feira, 30 de novembro de 2009

sentimentos ESCABROSOS II

Como expressar aos homens o sentimento acerca dos sentimentos? Essa, sem dúvida, é uma das grandes questões que me afligem nesses tempos. Torna-se difícil, em detrimento da loucura e da banalidade dos dias atuais, refletir sobre os sintomas de tamanhos absurdos. A arte abstrata, a qual expressa o sentimento do homem ante a contemporaneidade, apresenta-se a mim como um sintoma da própria loucura contemporânea. Assim, como entender a arte abstrata? O que deveria ser uma crítica à própria abstração dos homens é, ela mesma, uma abstração. O que deveria ser uma fuga torna-se aceitação. As feiúras nas paredes da cidade ganham telas, páginas, sons, fazendo com que a arte seja o símbolo da loucura cotidiana.

O labirinto da contemporaneidade é dotado apenas de entrada, ficando os homens a procura de uma saída, quando a mesma é a própria porta pela qual entraram. A arte abstrata é aceitação, não critica, tampouco censura. Em final de 2008, uma jovem entrou num andar desocupado do prédio da Bienal de São Paulo e, diante do vazio, expressou seus sentimentos da maneira mais apropriada a um jovem: pichando. As salas, que poderiam muito bem representar o vazio interior dos homens, foram invadidas pela abstração. O caso ganhou contornos escabrosos, tornando a história da pichação uma obra de arte: a garota fora presa, sendo solta tempos depois, após diversos protestos de artistas nacionais. A arte contemporânea revela o bizarro e é condescendente com a loucura e a banalidade de nossos tempos.

Sendo eu mesmo parte integrante dessa bucólica paisagem de assombros, expresso-me com feiúra. Pouco transmito dos sentimentos que me acometem ante as manifestações artísticas de agora. Entro, cotidianamente, nos labirintos de Jorge Luís Borges. Perco-me nos infindáveis pensamentos acerca do vazio humano e das variadas buscas por seu preenchimento fugaz. Assim, uma obra de arte que traga o sentimento em sua forma concreta, a qual assimile sentimento e entendimento, torna-se digna de apreciação.

“Big Man”, de Ron Mueck, revela fielmente a angústia do homem solitário. O parto, a velhice, o sexo, são retratados por esse artista, grande conhecedor das expressões humanas. A feiúra transmitida é palpável. Com concretude, o homem nos remonta à dor humana. Digo que pra mim isso é arte, não deturpação. Mesmo que recorramos à feiúra, que esta expresse a face da dor e do vazio, e não de uma singela parede com rabiscos.



"Big Man"

* As obras são do escultor australiano Ron Mueck.


quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A adoração dos ingênuos

Algo notório vem ocorrendo no Brasil nos últimos tempos: a veneração exaustiva e quase unânime do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Intelectuais, artistas, políticos de oposição, etc., agora caem candidamente nos discursos e nas ações populistas de nosso presidente – ou “Nosso Guia”, como o chama carinhosamente o jornalista Elio Gaspari. O bordão “nunca antes na história deste país”, que simboliza a demagogia discursiva de Lula, não atinge mais apenas os cidadãos comuns, mas a todos. O anseio da vez agora é tentar definir a seguinte questão: quem é Lula? Eugênio Bucci já tentou, num artigo um tanto quanto limitado e que perpassa pelas ações negativas do presidente com uma superficialidade que alegrou soberbamente os assessores de imprensa do Planalto.

Devemos salientar que sempre foram assombrosas as opiniões acerca dos predicados de nosso presidente, as quais quase sempre versavam sobre a origem humilde do sindicalista, de seus discursos em nome da ética, que denegriam sem nenhum pesar a imagem de políticos malfazejos como Sarney, Collor, Barbalho, Calheiros e companhia não menos pérfida. O Lula para eles era o homem do povo e o qual, estando no poder, daria um novo rosto à política brasileira, conferindo finalmente a essa terra esquecida a alcunha de “Brasil, o país do presente”. Doces delírios? Não, seria tolo não reconhecer os avanços obtidos até aqui. No entanto, isso não confere ao presidente o título de salvador da pátria.

Eu poderia muito bem elucidar que, como maior mandatário de nosso país, eleito pelo povo, ele não fez mais que sua obrigação. Mas certamente receberia como resposta desses tantos correligionários do presidente uma débil e óbvia pergunta: e por que o FHC não fez? Elementar, meus caros, não se pode comparar um governo iniciado em momentos trágicos com um onde o começo se deu em momentos auspiciosos para todo o planeta, com países como China, Índia e Coréia do Sul em franco crescimento. E, afinal, o que se espera de um governo sucessor? Que este continue a organizar o que não foi organizado e a amadurecer o que fora iniciado. E ademais, Tolstói é Tolstói e Dostoiévski é Dostoiévski, não competindo a nós denegrir um autor em detrimento do outro. Algo lógico, não? Não, pelo menos para os ingênuos de que trato aqui.

Essa nova condição em que se encontra Lula é fruto do oba-oba atual no âmbito da economia e da política externa brasileira. Mas questiono, será que esses noticiados progressos atentam realmente para uma realidade que pode ser vista e não apenas sentida? A propaganda lulista que, sabemos bem, noticia alegremente o que ainda não foi feito - ou seja, o porvir – não incute em nossos esperançosos cidadãos – tomando os que antes se opunham ao presidente como exemplo - a sensação de que, por todas suas ações, “Lula é o cara”? Sim, a máquina hitlerista funcionava desse modo – mas não faço aqui uma analogia entre dois homens, como ele o fez há pouco com o PSDB – e o que vimos foi uma aderência cega aos discursos do tresloucado alemão. Em suma, o marketing do governo Lula insere em toda a população os sentimentos de estarem no lugar certo e na hora correta. E mais, que talvez estejamos chegando ao que os marxistas veem como “o fim da história”.

Todavia, é mais preciso chegar-se à imagem de Lula pelo próprio marxismo, basta usarmos para isso de sua dialética – método que Marx adaptou de Hegel - para encontrarmos o que há de negação no presidente. Afinal, em detrimento da ética, as alianças de Lula com os mesmos homens que ele criticava valem realmente a pena? Podemos refutar as denúncias – estas comprovadas – de caixa dois em sua campanha? A argumentação – que não vale no caso do Senador Azeredo, alvo de denúncia análoga – de que ele desconhecia o esquema do “mensalão”, mesmo quando os responsáveis pela tramoia eram seus homens de confiança? Eu sei, tudo isso já foi pisado das mais variadas formas, mas ainda sim creio que esses são fatos eternos e que serão relembrados por anos a fio como constituintes do governo mais corrupto da história – como assim definiu o ex-ministro do mesmo Lula, Mangabeira Unger.

Agora indago, adoráveis ingênuos, Lula é o político que mais contribuiu para os avanços econômicos e sociais do país? Sim, se não o fosse nada existiria nele de relevante. No entanto, este não é o mesmo homem que negou todas as acusações de corrupção impetradas contra seu governo, defendendo o bandido já preso na cadeia? Sim, pois ele se porta como o “deus” do perdão e toma em seus braços, como aliados, afilhados, etc., aqueles cujos nomes mancham o papel logo acima e muitos outros de igual renome.

Então, por fim, quem é Lula? O homem que deu ao país a dimensão dos nossos sonhos, ou, o político que engendrou na população a sensação de que a corrupção é inerente ao progresso e, como tal, todos devem refutá-la? Hoje a sensação de que o Brasil agora tem a importância que deveria ter por todas as suas potencialidades anda na cabeça dos brasileiros, assim como a percepção de que a corrupção é mal arraigado na política nacional e, portanto, desimportante.

Não tento responder quem é o presidente, pois isso ultrapassa todas as minhas aspirações de perscrutador de Lula e induz, inexoravelmente, a um pedantismo medíocre. A essa mesma retidão deveriam aderir os que pregam o brilhantismo de nosso presidente, a fim de não incorrerem na interpretação ingênua do homem político.