sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Para relembrar FHC


Aos seis anos de idade eu nada podia entender do que se passava ao meu redor. Os jornais em cima do sofá, o olhar atento de meu pai em direção em direção à TV eram incompreensíveis. Algo, no entanto, meus sentidos decodificavam como sendo o final feliz de um conto de fadas. O Brasil mudava. O semblante mais despreocupado de meu pai relacionava-se, eu sabia, ao que era noticiado naquele amontoado de papel e no programa entediante da televisão. Na tela, a presença constante de um homem assinalava que era ele o principal responsável por toda essa movimentação.

Demorei anos para compreender aquela época. Os jornais davam conta de uma mudança, da promessa de um futuro melhor para todos os brasileiros. Eram homens, números, dinheiro. Era a política e a economia, duas “palavras” tão desconhecidas ao menino ainda semi-analfabeto, que mudavam.

Hoje alfabetizado, tanto na tela do computador quanto nos livros entre as mãos, posso traduzir cada momento do que vivi em minha infância e adolescência. As reclamações do meu pai ante o noticiário na televisão ou os momentos de tranquilidade da família. As revoltas de meus professores, que se diziam petistas e aconselhavam a mim e a meus colegas que influenciássemos nossos pais a fazerem sabe-se lá o quê. Desconhecia o significado de ser petista e do que queriam dizer quando falavam em privatização – outra palavra em voga à época. Agora compreendo o que diziam, e a lembrança de um professor de história no Ensino Médio me faz tomar o assunto como terminado. Ele falava de seu arrependimento por ter defendido e votado num presidente que, já em 2004, há dois anos no poder, ainda não havia feito nada do que prometera.

Antes de completar sete anos, em 1993, todo o país sofria com as altas constantes de produtos de primeira necessidade. Eu via frequentemente na televisão funcionários de supermercados que não paravam de remarcar o preço do arroz, do feijão, do óleo, do açúcar, etc. Milhões de brasileiros sofriam ante o aumento desses produtos acima da capacidade de compra de seus rendimentos. Era a inflação, outra palavra comum na TV que eu desconhecia por completo.

Já nessa época, alguns planos mirabolantes haviam fracassado no intuito de conter este que era o maior problema brasileiro. Somente em 1993, quando o então presidente Itamar Franco nomeou seu ministro das Relações Exteriores para o cargo responsável por sanar a inflação, Ministro da Fazenda, que uma mudança finalmente foi delineada. Era Fernando Henrique Cardoso, um sociólogo, quem assumia o cargo preferencialmente atribuído a economistas. E foi ele que em fins do mesmo ano anunciou o Plano Real.

Foi esse programa econômico que, assim que efetivado, começou a estabilizar a economia brasileira. Também foi o Plano Real o responsável pela eleição de Fernando Henrique em 1994 para a presidência da república.

A estabilização da moeda pode conter rapidamente a desvalorização do dinheiro. Finalmente, milhões de brasileiros conseguiram sair da linha da miséria. Como se nota no livro Era FHC: um balanço, organizado por Bolívar Lamounier e Rubens Figueiredo, publicado em 2002, não apenas o arroz e o feijão compunham agora definitivamente o prato do cidadão comum, mas também a carne. Passou-se a consumir menos carboidrato e mais proteína.

Estes foram os primeiros sinais de uma mudança que ajudou a construir o hoje, não mais a esperança do “Brasil do possível”, do futuro, mas do presente.

Todavia, àquela época muitas outras discussões tomavam os jornais e a televisão, e eram trazidos, como falei, por meus professores à sala de aula. Eram monstros chamados de privatização.

Lembro de um trabalho em sala de aula, onde a professora de história pediu que escrevêssemos uma redação sobre a privatização da Vale do Rio Doce. Sem hesitar, comecei a escrever sobre o que achava, lembrando o que havia ouvido dias atrás: FHC estava vendendo a estatal para traficantes, contrabandistas ou algo do gênero. Faço alguma ideia de onde devo ter ouvido isso, isto é, de quem foi o responsável por espalhar tal falácia, de uma leviandade inquestionável.

Junto à Vale do Rio Doce, estatais de telefonia foram privatizadas e cogitava-se ainda a venda da Petrobrás, da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, etc. “FHC está vendendo o Brasil”, dizia-se. Na TV, alguns homens hoje muito conhecidos faziam estardalhaço em protesto contra as ações do governo.

Sobre as privatizações, tão criticadas pelos homens que atualmente governam este país, não preciso dizer muito. A matemática é ciência inquestionável, já a retórica política... E ademais, eles, que tanto criticaram, mantiveram em seu governo a política de privatização.

Sabemos que, graças à privatização da Vale do Rio Doce, a instituição tornou-se hoje a maior empresa brasileira. Rende em impostos uma soma muito superior ao que rendia enquanto estatal. Impostos que podem muito bem serem gastos em segurança, educação e saúde, estes sim, temas de maior prioridade de qualquer governo.

Já sobre as estatais de telefonia, as críticas inconsequentes quedam-se quando atendemos o celular, utilizamos a internet ou apenas ligamos a uma destas empresas a fim de solicitar uma linha telefônica – algo impossível antes da privatização, quando as linhas custavam caro e demoravam séculos para serem instaladas.

Em meio a isso, mudanças estruturais foram implementadas em estatais de notória importância estratégica para o país, como na Petrobrás e na Caixa Econômica Federal.

Agências compostas por representantes da sociedade civil passaram a regular e a fiscalizar empresas estatais ou já privatizadas. Um novo modelo administrativo se erigia, desinchando o estado, permitindo assim que ele se dirigisse a outras questões também importantes para o país.

Todavia, críticas podem ser feitas, como deveria ser de praxe em meio às muitas ações que podem tomar quem administra um país. Mas uma das críticas mais relevantes diz respeito à privatização da Telebrás, estatal de telefonia. Tal privatização, nas palavras do ex-ministro tucano Luiz Carlos Bresser-Pereira, era inaceitável no caso da telefonia fixa. E mesmo com a telefonia móvel, a privatização somente seria pertinente se as estatais permanecessem nas mãos de brasileiros.

Mesmo assim, com estas instituições livres da burocracia inerente ao poder público, milhões de pessoas hoje possuem linhas telefônicas e celulares. A competição neste setor incentivou investimentos por parte destas empresas, dando ao consumidor possibilidades de escolha antes improváveis.

Outras medidas, como o PROER, que impediu um colapso no sistema financeiro do país ao salvar bancos estatais como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, contribuíram para a solidez econômica brasileira na atualidade. Também a Lei de Responsabilidade Fiscal, que delimita os gastos de estados e municípios, amplamente atacada pelo Partido dos Trabalhadores, é hoje de uma das iniciativas políticas mais defendidas do governo Fernando Henrique até mesmo por seus opositores.

Afora estas iniciativas, capazes de garantir ao governo tucano lugar de destaque na história política do país, a economia hoje segue as diretrizes implantadas nos últimos anos do governo. O famoso “tripé econômico”, composto pelo câmbio flutuante, pelas metas anuais de inflação e pelo superávit primário permaneceu mesmo após a chegada de um partido tido como de esquerda ao poder.

Conquanto não tenham progredido em medidas desejáveis, saneamento básico e energia elétrica chegaram a milhões. O salário mínimo aumentou mais de 150%, passando de R$ 70 para R$ 180, um crescimento semelhante ou maior que o obtido no atual governo.

Todos estes acontecimentos passaram como que incólumes à criança e ao adolescente que cresceu e ora aqui defende um dos maiores legados de nossa história. Um breve caminhar pela história de nosso país me permite dizer sem temor de incidir em erro que Fernando Henrique Cardoso delineou o caminho para nosso atual sucesso político e econômico. Foi ele quem primeiro demonstrou ao mundo as possibilidades de um Brasil sempre esquecido mostrar, finalmente, sua grandeza.

Não é preciso, como se vê, de muito trabalho para defender oito anos de um governo que, longe da estagnação que lhe atribuem, trouxe incontáveis avanços ao país. Nenhuma propaganda ufanista é capaz de apagar uma história.

Que os defensores do atual governo, levado à tela pela imagem de Luís Inácio Lula da Silva, também possam defender seu legado. Não obstante, um governo não se mede por números, conquanto sejam eles os responsáveis pela boa ou má avaliação de uma administração. Que tragam ações que incidam, aí sim, em números que comprovem sua eficácia. Números sem ações, sem políticas públicas efetivas como causa, apenas corroboram a tese de que hoje o que se colhe foi plantado anteriormente, nos oito anos da Era FHC.

Um comentário:

Jenifer disse...

Como eu já te disse,adoro o modo como se utiliza das palavras, porém todos os seus textos são 100%tucanos...rs

Mas, como eu já lhe disse anteriormente: O importante é defender o que se acredita...