sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O difícil trabalho de conviver na democracia

“Governar com o inimigo! Governar com a oposição”, assim brada Ortega y Gasset ao refletir sobre o caráter de uma democracia liberal, o sistema que possibilita a mais alta e louvável possibilidade de coexistência. Somente numa democracia liberal as minorias têm a legitima liberdade de exercerem o direito de se expressar, de agirem política e economicamente, etc. Os ensinamentos do filósofo espanhol, contudo, em virtude de nossa peculiar intelligentsia, alheia ao significado das palavras liberdade e coexistência, soam ininteligíveis.

O espetáculo das eleições deste ano revela a indigesta imaturidade intelectual e política dos brasileiros. Governo e oposição digladiam-se em busca do poder, ou com vistas a mantê-lo. Uma guerra que nada tem de ideológica e desprovida de qualquer sentido, que amealha tanto a classe política quanto a classe acadêmica, passando irremediavelmente pelas redações. O espetáculo toma a mídia, entra nas casas, nos ambientes de trabalho sem que o cidadão, principal interessado nesta questão, consiga compreender o real significado desta obscura disputa.

“É a pura manifestação da democracia”, diriam uns. Poderia ser. Não obstante, o resvalar para o jogo de extermínio de políticos e partidos adversários revela a facilidade de se diluir a democracia, vivendo numa democracia. A manifestação do presidente Luís Inácio Lula da Silva incitando às suas massas de eleitores para que “extirpem” um partido de oposição ressoa num questionamento feito décadas atrás por Gasset em sua obra-prima, “A rebelião das massas”. Denota o filósofo como a oposição extingue-se na maioria dos países. “Em quase todos, uma massa homogênea pesa sobre o Poder público e esmaga, aniquila todo o grupo opositor”, revela.

A existência de uma oposição forte e atuante é o principal sinal da boa saúde de um sistema democrático. Sem ela, a obscuridade da ditadura voltaria inapelavelmente a nos assombrar, ou, como define o cientista político Robert Dahl, voltaríamos a viver numa hegemonia fechada, regime em que a participação política é limitada, sendo comandada por um único poder.

Dahl defende a existência de uma poliarquia, aliás, nome de sua obra maior, em que a participação e a competição política denotam a efetivação dos mais avançados ideais democráticos.

Diante disso, o que dizer de uma representação política que, retomando Ortega y Gasset, “odeia de morte o que não é ela”?

O radicalismo do Partido dos Trabalhadores lhe é inerente desde sua fundação, quando se opôs à assembleia constituinte em 1988, este um dos primeiros sinais da imaturidade política do partido fundado por Darcy Ribeiro, Sergio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes, três dos maiores pensadores brasileiros.

A inconsequência juvenil ainda se manifestou na oposição desmedida às hoje elogiadas conquistas do governo de Fernando Henrique Cardoso, como o Plano Real – tido como um estelionato eleitoral que levaria o país às ruínas pelo agora candidato ao governo de São Paulo, Aloízio Mercadante -, a Lei de Responsabilidade Fiscal, as bolsas de distribuição de renda - hoje Bolsa Família -, etc.

A vitória de Dilma Rousseff, dada como certa pelos institutos de pesquisa, retrata o momento de hegemonia política fundamentada na figura do presidente Lula. Com um dos mais altos índices de aprovação já conquistados por um presidente da república, é natural que o candidato patrocinado pelo governo seja eleito, assim como Fernando Henrique o fora em 1994.

Não obstante, a hegemonia gramsciana – alvo máximo do PT com a eleição de Dilma - idolatrada pelo antes partido socialista não é por ele adotado. Para o cientista político italiano Antonio Gramsci, a hegemonia de uma classe mantém-se através da educação e da persuasão dos diversos setores da sociedade civil, sustentado também por seus intelectuais engajados. Contudo, o que se vê é um misto de politicagens peculiares aos setores mais conservadores do país.

Assim como o governo Lula tem a anuência de movimentos sociais como os sindicatos e o Movimento dos Sem Terra, banqueiros e empresários de diversos setores constituem o núcleo de sustentação da atual administração. Mas podemos muito bem conceber que tudo isso tem ligação com os financiamentos proporcionados pela Caixa Econômica Federal e pelo BNDES – o filme Lula, o filho do Brasil, patrocinado por empresas interessadas em financiamento público denota bem este caso. Do mesmo modo como os repasses públicos cada vez mais avultantes aos sindicatos parecem ter relação assimétrica com a chapa-branca em voga nos sindicatos. Com isso, jogam-se no lixo também os ensinamentos de Gramsci, este o ancoradouro ideológico do PT.

A ideia de extirpar os Democratas de nosso sistema político simboliza um dos mais abissais recursos dos movimentos totalitários. Algo recorrente a todas as ditaduras, seja de esquerda ou de direita, é extinguir partidos adversários a fim de garantir sua hegemonia.

Contudo, graças à pluralidade partidária peculiar ao Brasil, o máximo que o Partido dos Trabalhadores conseguirá é abalar as forças do maior partido de oposição ideológica, o PSDB. O bom número de partidos existentes no país, com grande representação parlamentar, impede a consagração de um regime totalitário. No entanto, nada nos livra na efetivação do maior receio de nossos democratas liberais: o PT se tornar o PRI mexicano, permanecendo décadas na mais elevada posição de nossa política.

3 comentários:

Anônimo disse...

Anderson, seu texto está razoavelmente fundamentado, mas seu partidarismo turva seu entendimento.
Vou fazer só alguns comentários breves, os quais, por favor, não tome como crítica, apenas indicações e que há meios honestos de enxergar os mesmos fenômenos sociais:
1. O nome do banco é BNDES.
2. "A ideia de extirpar os Democratas de nosso sistema político simboliza um dos mais abissais recursos dos movimentos totalitários". Sim, mas na marra, na força, não pedindo que não se vote neles. Sua menção à recursos ditatoriais é meramente retórica.
3. O PT não é o PRI na mesma medida em que o Brasil não é o México. Comparações desta natureza me dão a impressão de certa desonestidade inteectual. Agora, qualquer partido temeria que seu opositor ganhe apoio popular para se manter no poder...
4. Filme patrocinado por empresas interessadas em financiamento público. Bom, aí tem dois aspectos. O primeiro é o retorno comercial de publicidade e o segundo é uma tentativa de influenciar o poder. O primeiro precisa de pesquisas e o segundo de provas. Tens ambas?
5. Governo e oposição SEMPRE batalharão pelo poder, não há nada de novo nisso. O que se discute neste momento, e que sequer foi mencionado no seu texto, é o papel de uma imprensa (sic) partidária, ideologicamente afim ao grupo de poder que sempre se manteve lá, às custas do povo. Eis que o povo lhe vira as costas e esta mesma imprensa (e seus correligionários) dizem que é uma ameaça à democracia. Curiosa interpretação.

Anderson Oliveira disse...

"Sim, mas na marra, na força, não pedindo que não se vote neles." (Sobre a manifestação de Lula de por fim aos Democratas).

Caro Fernando, não chamei nenhuma ação deste governo de ditatorial. Releia o texto. Disse que a manifestação de Lula relembra os preceitos básicos do pensamento político de Lênin (um ditador), a influência de Gramsci (o ídolo dos petistas).

De resto, farei a correção no nome do banco estatal.

O pensamento da esquerda é todo pautado em sua hegemonia (ditadura?). Algo execrável para liberalistas como Gasset, Aron, Bobbio...e para jovens iniciantes como eu.

João Jose´de Oliveira Negrão disse...

Vou dar pitaco. No pensamento de esquerda, quem plasma hegemonia com ditadura é Mao Tsé-Tung. Em Gramsci, é um processo de construção de consensos, no qual uma classe ou fração de classe consegue maioria para sua concepção de mundo. É, portanto, radicalmente democrático. De fato, não dá para transformar um desabafo de Lula (tem que lembrar do Konder Bornahusen, do DEM/SC, afirmando que ia "acabar com esta raça", referindo ao PT)num projeto político de longo prazo. Mas releve-se por conta do momento passional.