sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Até quando esse atraso?




A privatização entrou no cenário político brasileiro no começo da década de 1990. O inchaço do Estado, a ineficiência administrativa das estatais, aliados a uma dívida crescente do poder público fez com que finalmente se analisasse a viabilidade de modernizar o aparelho estatal brasileiro. A venda de instituições falidas, que pouco ou nada rendiam aos cofres públicos, enxugaria o governo, permitindo que focalizasse áreas de maior importância e ainda renderia verbas para abater em dívidas.

Essa discussão, enfim, não traz nenhuma novidade. As privatizações foram feitas e a hoje privada Vale rende em impostos muito mais do que rendia enquanto estatal. Também emprega um número quase cinco vezes superior ao que tinha em funcionários e é considerada a maior empresa da América Latina. Caso semelhante ocorre à Embraer, que hoje exporta seus aviões para o mundo inteiro.

As empresas de telefonia, também privatizadas, agora possibilitam ao cidadão menos dores de cabeça. O custo por uma linha telefônica é ínfimo se comparado ao que era antes. Os serviços prestados pelas operadoras são, apesar do bom número de reclamações, infinitamente superiores ao que seriam se fossem empresas públicas. A competitividade na telefonia móvel fez com que as empresas investissem no setor e, atualmente, o celular se tornou bem comum até mesmo aos mais pobres.

Em suma, como vimos no Brasil, a privatização serviu para que o governo pudesse focalizar seus investimentos em áreas estratégicas para o país. O pensamento liberal clássico, quando vislumbra um modelo de governo que permita o livre mercado, denota que ao Estado cabe priorizar segurança, saúde e educação. Estas, sabemos todos, são as principais aspirações de toda uma nação e, portanto, devem ser a de seus governantes.

Desse modo, por que interessaria a um governo a responsabilidade por uma empresa de mineração, principalmente se esta traz mais prejuízos que benefícios? As empresas de telefonia cabem dentro dos objetivos citados acima? Não vejo motivos que me levem a crer que a telefonia nas mãos de governantes contribuam para a educação, saúde e – meu medo - para a segurança.

Os benefícios conquistados através da privatização de estatais no Brasil estão aí, são fáceis de serem encontrados. Todavia, o uso eleitoreiro do discurso de que se está “vendendo país”, com vistas a demonizar esta política, nada mais é do que isso: discurso eleitoreiro.

Nos últimos oito anos do governo de Luís Inácio Lula da Silva, os brasileiros tomaram conhecimento de uma série de denúncias de corrupção envolvendo estatais. Correios, Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, entre outras, ganharam as páginas dos jornais por um só motivo: corrupção. Quem pagou por isso? O contribuinte, que ajuda a manter empresas assim e, consequentemente, arca pelo descaso com a coisa pública. Tudo isso por um simples motivo: nas mãos de funcionários nomeados pelo governo e seus aliados, quem zela pela boa conduta e pela produtividade? Qual o interesse dos presidentes e diretores destas estatais? Se não é o lucro, visto que não interessa o lucro a uma empresa pública, o que buscam os executivos destas instituições?

Sendo o lucro o principal responsável pelo crescimento da Vale e da Embraer, pelo bom funcionamento das empresas de telefonia, os funcionários nestas instituições têm somente uma missão em seus trabalhos: produtividade. Caso atentem contra isso, e cometam infrações, nenhuma ligação política os manterá em seus cargos: serão demitidos.

Trata-se talvez de uma explanação simplista, eu sei, mas ainda sim válida na atualidade – principalmente quando o partido no poder demoniza esta ação.

Mas são fatores assim, simples, que denotam a grande diferença entre empresas estatais e privatizadas. Os compromissos deixam de ser políticos e se tornam puro e simplesmente trabalho.

E trabalho rende frutos.

Nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso grande parte das empresas públicas foi privatizada. Contudo, um dos setores que mais geram reclamação passou longe do interesse deste governo, assim como de seu sucessor. Como consequencia, a ineficiência peculiar a instituições públicas culminou no caos que temos hoje em nossos aeroportos. Passados oito anos, o governo do presidente Lula pouco fez neste setor. Talvez pelo receio de que se volte contra ele o que tanto criticou em seu antecessor.

O certo é que ficará para o próximo presidente discutir esse assunto e tomar providências corajosas, semelhantes às tomadas por Fernando Henrique. E o caso dos aeroportos é apenas um exemplo.

Todavia, o discurso eleitoreiro de que privatizar é coisa ruim – mais uma das muitas imaturidades do Partido dos Trabalhadores – irá atrapalhar a solução tanto do problema da corrupção no setor público quanto da ineficiência administrativa. Perde o presidente eleito, mesmo que seja a candidata do governo, e perde o brasileiro.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Por um pouco de ética no voto

Imagine um mundo em que a moral é fator predominante em cada individuo. Um ambiente em que cada homem e mulher age consoante o imperativo categórico kantiano, isto é, um lugar onde impera a máxima moralidade. Onde palavras como roubo, traição, mentira, assassinato, entre outros termos referentes a atitudes negativas, inexistem. Agora, imagine o contrário: um mundo de caos em que todas as ações imorais da humanidade são cometidas, todos os dias, por toda a raça humana.

Os dois exemplos acima decerto já devem ter perpassado pelo pensamento de muitos, sejam filósofos, cientistas ou pessoas comuns. Todavia, é o economista Eduardo Giannetti da Fonseca quem trata desse assunto refletindo sobre a existência da ética como fator determinante do progresso científico e econômico. Ou, como bem elucida a contracapa do livro “Vícios privados, benefícios públicos”, como elemento crucial para a riqueza das nações. A ética como algo a mais.

Esta rápida digressão se justifica quando observamos o que está em jogo nas eleições deste ano. Na disputa, os dois lados, PT e PSDB, assemelham-se em diversos pontos, seja em relação à economia, saúde, infraestrutura, educação, etc. Os discursos de ambos denotam viés interventor e, portanto, de esquerda. Nada diferente, exceto os casos de corrupção envolvendo um dos lados.

O governo do Partido dos Trabalhadores, do qual a candidata Dilma Rousseff faz parte, coleciona um bom número de escândalos políticos. Por outro lado, o adversário, José Serra, apesar de não ostentar em seu currículo casos de corrupção, não é visto com bons olhos por grande parte dos eleitores, seja por sua falta de carisma ou pela ligação com o governo de Fernando Henrique Cardoso – que, para muitos desinformados, foi um desastre.

A propaganda eleitoral do PT na televisão busca a todo tempo polarizar estas eleições como sendo um caso de escolha entre dois modos de governar: o petista, correto; o tucano, errado. Nada absurdo até aqui. No entanto, quando tentam explicar o que seria o modo certo de governar, uma série de inventividades ganha a tela. Notícias sobre a economia, a ascensão de milhões de brasileiros à classe C, a execução de programas como ProUni, Minha Casa, Minha Vida etc. Nota-se que a grande arma de Dilma e do PT nestas eleições é o bolso do brasileiro – segundo eles, cheio -, o que sabíamos que ia acontecer. Contudo, a economia aparece como elemento único das aspirações de metade dos eleitores brasileiros.

Voltando ao libelo de Giannetti, em sua introdução o autor denuncia certo paradoxo do brasileiro. Apesar de não tratar detidamente deste assunto, o economista mostra que é constante no cidadão tupiniquim seu indignar com “a situação do país”. O brasileiro clama por ética e justiça, contudo, o paradoxo surge quando lemos nossos jornais: o que surge é a realidade, que dilui nosso falso discurso. Assim, apesar de nos indignarmos ante o mar de lama a que estamos imersos, somos os reais responsáveis por ele. E nosso voto, posso dizer, tem relação simétrica com isso. Sabemos que determinado político é corrupto, no entanto, votamos nele se objetivamos conquistar algum favor.

Não tenciono afirmar, com isso, que a quase vitória de Dilma Rousseff nestas eleições tenha ligação direta com nosso velho e famoso clientelismo. A eleição de todos os políticos, em toda a história, correlaciona-se com a conquista de alguma coisa pelo eleitor. Não fosse assim, como escolheríamos nosso voto?

No entanto, volto aqui à peculiaridade do voto na candidata do Partido dos Trabalhadores. Durante os quase oito anos desse governo tomamos conhecimento de um bom número de casos de corrupção. Um lamaçal sem fim, responsável pela queda de ministros e assessores intimamente ligados ao presidente da república. Não foi qualquer corrupção. Não se tratava de nosso prosaico “jeitinho brasileiro”. Foi amplamente dito que este tem sido o governo mais corrupto da história do Brasil.

Em Vícios privados, Eduardo Giannetti demonstra o quanto a ética foi elemento condicionante para o progresso da humanidade. Ela se ergue acima das pretensões pessoais, sendo imperativo para o respeito às regras do jogo.

Nestas eleições, milhões de brasileiros podem escolher entre o bolso “farto”, que acham certo com a vitória de Dilma - e mesmo que avalize a corrupção - e o bolso “incerto”, que punirá o descaso com a coisa pública. Eles temem que a vitória de José Serra constitua a volta da crise econômica e, consequentemente, do desemprego. Como se um presidente da república estivesse acima dos interesses comerciais do mundo inteiro. Desconhecem tanto as semelhanças entre ambos os candidatos quanto as atribuições do chefe do executivo.

Quem sabe em alguns anos, quando o bolso for enfim entendido por todos como elemento peculiar ao capitalismo, alheio às pretensões de um homem ou partido, a ética seja lembrada na hora do voto. Não se trata aqui da utopia da máxima moralidade descrita no início do texto, o que, como mostrou Giannetti, é também um empecilho ao progresso. Mas de fazer com que o paradoxo do brasileiro - essa estranha mania de criticar a podridão, porém contribuir com ela -, seja deixado de lado, no momento que escolhermos o próximo presidente.