sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Por um pouco de ética no voto

Imagine um mundo em que a moral é fator predominante em cada individuo. Um ambiente em que cada homem e mulher age consoante o imperativo categórico kantiano, isto é, um lugar onde impera a máxima moralidade. Onde palavras como roubo, traição, mentira, assassinato, entre outros termos referentes a atitudes negativas, inexistem. Agora, imagine o contrário: um mundo de caos em que todas as ações imorais da humanidade são cometidas, todos os dias, por toda a raça humana.

Os dois exemplos acima decerto já devem ter perpassado pelo pensamento de muitos, sejam filósofos, cientistas ou pessoas comuns. Todavia, é o economista Eduardo Giannetti da Fonseca quem trata desse assunto refletindo sobre a existência da ética como fator determinante do progresso científico e econômico. Ou, como bem elucida a contracapa do livro “Vícios privados, benefícios públicos”, como elemento crucial para a riqueza das nações. A ética como algo a mais.

Esta rápida digressão se justifica quando observamos o que está em jogo nas eleições deste ano. Na disputa, os dois lados, PT e PSDB, assemelham-se em diversos pontos, seja em relação à economia, saúde, infraestrutura, educação, etc. Os discursos de ambos denotam viés interventor e, portanto, de esquerda. Nada diferente, exceto os casos de corrupção envolvendo um dos lados.

O governo do Partido dos Trabalhadores, do qual a candidata Dilma Rousseff faz parte, coleciona um bom número de escândalos políticos. Por outro lado, o adversário, José Serra, apesar de não ostentar em seu currículo casos de corrupção, não é visto com bons olhos por grande parte dos eleitores, seja por sua falta de carisma ou pela ligação com o governo de Fernando Henrique Cardoso – que, para muitos desinformados, foi um desastre.

A propaganda eleitoral do PT na televisão busca a todo tempo polarizar estas eleições como sendo um caso de escolha entre dois modos de governar: o petista, correto; o tucano, errado. Nada absurdo até aqui. No entanto, quando tentam explicar o que seria o modo certo de governar, uma série de inventividades ganha a tela. Notícias sobre a economia, a ascensão de milhões de brasileiros à classe C, a execução de programas como ProUni, Minha Casa, Minha Vida etc. Nota-se que a grande arma de Dilma e do PT nestas eleições é o bolso do brasileiro – segundo eles, cheio -, o que sabíamos que ia acontecer. Contudo, a economia aparece como elemento único das aspirações de metade dos eleitores brasileiros.

Voltando ao libelo de Giannetti, em sua introdução o autor denuncia certo paradoxo do brasileiro. Apesar de não tratar detidamente deste assunto, o economista mostra que é constante no cidadão tupiniquim seu indignar com “a situação do país”. O brasileiro clama por ética e justiça, contudo, o paradoxo surge quando lemos nossos jornais: o que surge é a realidade, que dilui nosso falso discurso. Assim, apesar de nos indignarmos ante o mar de lama a que estamos imersos, somos os reais responsáveis por ele. E nosso voto, posso dizer, tem relação simétrica com isso. Sabemos que determinado político é corrupto, no entanto, votamos nele se objetivamos conquistar algum favor.

Não tenciono afirmar, com isso, que a quase vitória de Dilma Rousseff nestas eleições tenha ligação direta com nosso velho e famoso clientelismo. A eleição de todos os políticos, em toda a história, correlaciona-se com a conquista de alguma coisa pelo eleitor. Não fosse assim, como escolheríamos nosso voto?

No entanto, volto aqui à peculiaridade do voto na candidata do Partido dos Trabalhadores. Durante os quase oito anos desse governo tomamos conhecimento de um bom número de casos de corrupção. Um lamaçal sem fim, responsável pela queda de ministros e assessores intimamente ligados ao presidente da república. Não foi qualquer corrupção. Não se tratava de nosso prosaico “jeitinho brasileiro”. Foi amplamente dito que este tem sido o governo mais corrupto da história do Brasil.

Em Vícios privados, Eduardo Giannetti demonstra o quanto a ética foi elemento condicionante para o progresso da humanidade. Ela se ergue acima das pretensões pessoais, sendo imperativo para o respeito às regras do jogo.

Nestas eleições, milhões de brasileiros podem escolher entre o bolso “farto”, que acham certo com a vitória de Dilma - e mesmo que avalize a corrupção - e o bolso “incerto”, que punirá o descaso com a coisa pública. Eles temem que a vitória de José Serra constitua a volta da crise econômica e, consequentemente, do desemprego. Como se um presidente da república estivesse acima dos interesses comerciais do mundo inteiro. Desconhecem tanto as semelhanças entre ambos os candidatos quanto as atribuições do chefe do executivo.

Quem sabe em alguns anos, quando o bolso for enfim entendido por todos como elemento peculiar ao capitalismo, alheio às pretensões de um homem ou partido, a ética seja lembrada na hora do voto. Não se trata aqui da utopia da máxima moralidade descrita no início do texto, o que, como mostrou Giannetti, é também um empecilho ao progresso. Mas de fazer com que o paradoxo do brasileiro - essa estranha mania de criticar a podridão, porém contribuir com ela -, seja deixado de lado, no momento que escolhermos o próximo presidente.

5 comentários:

Sandro Dantas disse...

Tinha um dedo de esperança com Marina, mas infelizmente não foi desta vez.

Não acredito que Serra faça grandes melhoras em relação a corrupção e nem em relação a nada, como também não fez Lula, ele é só mais um político mediano, como também era Lula. O barco foi e será mais guiado pelo vento que pelos seus capitães.

Colocar Dilma na presidência, seria terceirizar o cargo de presidente. Algo obscuro demais para ser aceito.
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O livro que você citou (e que está em casa, por sinal) não fala que a ética é algo mais, isto é a sua opinião. Ele expõe em ampla e detalhada análise o que a ética ou a falta dela pode proporcionar, tanto benefícios, como malefícios. O título mesmo já demonstra a possível variação, por não ser uma negativa nem uma afirmação, mas sim uma dúvida: "Vícios privados, benefícios públicos?"

Anônimo disse...

Sr. Sandro Dantas,o que lhe faz pensar que Marina Silva seja uma candidata melhor (ou menos pior) que José Serra e Dilma Rousseff ?

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E sobre o livro, Eduardo Giannetti faz uma análise comparativa da filosofia de diferentes pensadores com o objetivo de mostrar que a filosofia econômica não pode desprezar como a questão ética é presente na sociedade.

E diferencie pra mim Sr. Sandro Dantas:
A ética como algo a mais.
A ética como algo mais.

Anderson Oliveira disse...

Na verdade,creio que "Vícios privados, benefícios públicos?" é quase isso que o sr. Dantas diz e também isso que o sr. "anônimo" ressalta.

No entanto, não se trata de uma dúvida, pois os vícios realmente contribuem para o progresso da humanidade. Contudo, diferentemente do que pensavam Hobbes, Lucrécio, Rousseau e cia - que apregoavam o neolítico moral - a ética acompanha esse progresso, conquanto mais lentamente.

Em suma, a ética é elemento fundamental para que os vícios se tornem, aí sim, benefícios públicos.

Obrigado pela visita!

Sandro Dantas disse...

A visão é outra, Sr. Anônimo. Marina Silva é uma sonhadora, como devem ser os grandes líderes. Leiam esta carta aberta dela à Serra e Dilma: http://altino.blogspot.com/2010/10/carta-aberta-de-marina-dilma-e-serra.html

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Concordo, Anderson, com sua análise. Mas também vemos que a ética em excesso diluiria os vícios, tornando a sociedade atrasada em outras questões. O que seria ruim. A falta dela geraria total anarquia. O que também seria ruim.

Como na maioria das conclusões que chegamos, acredito que o equilíbrio, um meio termo, seja a melhor solução.

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Todavia, a corrupção é um malefício dos piores.

Jenifer disse...

"um mundo de caos em que todas as ações imorais da humanidade são cometidas, todos os dias, por toda a raça humana." - "essa estranha mania de criticar a podridão, porém contribuir com ela -, seja deixado de lado, no momento que escolhermos o próximo presidente."

Gostei da escolha das palavras...muito bem colocadas...
Infelizmente, é um vício criticar algo que queira mudar, mas não fazer nada pra que isso aconteça...
Como nos comentários acima, eu também confiei meu voto à Marina, mas talvez o mandato dela só seja possível daqui há 4 (ou 8) anos...
Agora, a única coisa que espero é que, independente de quem ganhe, haja com MAIS transparência e ocorra MENOS corrupção...enfim, que faça a sua parte!