quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O nome disso é liberdade e capitalismo

Há um notório contentamento em toda a sociedade em relação ao crescente número de pessoas com acesso às informações proporcionado pela internet. Milhões hoje podem consumir e produzir conteúdo através das diversas ferramentas encontradas na grande rede. Podemos, sem chance de erro, afirmar que nunca o mundo teve tantas possibilidades de participar do processo político e econômico. Algo essencial para a democracia.

Milhares de blogs, sites, portais e redes sociais recebem todos os dias um sem número de informações, que são produzidas e consumidas num piscar de olhos. A internet assomou como uma espécie de Ágora, visitada por grande parte dos cidadãos da Atenas que se tornou o mundo ligado à rede.

Os diálogos se tornaram possíveis graças a ferramentas interativas, como Twitter, Orkut e Facebook. As populações carentes, mesmo ainda desprovidas de internet banda larga, conseguem acessar a web graças às milhares de lan houses disseminadas por todas as partes do país e a programas públicos de inclusão digital. Apesar de não abranger todo o país, são quase 70 milhões de brasileiros interligados a informações e pessoas de todo o mundo.

A grande Ágora possibilita a todos um papel, ainda que pequeno, na efetivação da democracia. Todos podem falar, reclamar, denunciar. Os limites, embora existam, são mínimos quando se nota o que tínhamos 10 anos atrás.

Toda essa explanação positivista tem um motivo de ser. Dá-se pela notória e retrograda disseminação de um bom número de pessoas pela própria internet dispersando seu rancor e descontentamento contra o capitalismo. Esses internautas são a maioria dos usuários, podemos dizer, “politizados”. Competem com uma pequena parte de idólatras do capitalismo, e de sua fundamentação teórica, o liberalismo – pessoas como este, que aqui escreve.

O caso é que a internet, fruto do capitalismo e da liberdade, tornou-se a sala de estar desses muitos anti-capitalistas. Como Schumpeter demonstrou décadas atrás, o capitalismo criou e continua a criar seus próprios algozes.

No entanto, não cabe aqui mostrar ressentimento contra esse turbilhão de insatisfeitos. Primeiro, porque seria recair em uma das principais atitudes dessa camada: o de recriminar e tentar silenciar seus adversários.

O interessante é que grande parte desses indivíduos vê na internet a possibilidade de desarticular os chamados “grandes meios de comunicação”. É uma forma, segundo eles, de democratizar a produção e o acesso à informação. Nada errado até aqui.

O problema está, na verdade, em atribuir o problema da concentração dos veículos de informação ao capitalismo. Como se defendêssemos a liberdade econômica exclusivamente para que se efetive a concentração da riqueza nas mãos de poucos. E não pelo progresso originado com a competição - própria do sistema capitalista.

Quando Joseph Schumpeter se imortalizou com sua teoria sobre o ciclo econômico, ainda estávamos longe da evolução da comunicação que vivemos na atualidade. Mas o economista já notara que, no sistema capitalista, algumas inovações cuidavam de alterar o estado de equilíbrio econômico. Isto se dá, entre outras coisas, em virtude de novas descobertas tecnológicas. Estas, por sua vez, modificam a economia, chegando até mesmo a desmontar monopólios.

A teoria de Schumpeter caberia muito bem numa análise acerca das mudanças atuais nos processos de comunicação no Brasil. Se milhões de pessoas hoje desfrutam da possibilidade de informar e ter acesso a informações antes inimagináveis – como as do Wikileaks, talvez – isso se deve às inovações próprias do capitalismo.

Alguém deveria, portanto, avisar aos muitos blogueiros e colunistas de sites como Vermelho, Carta Maior e Observatório da Imprensa que seu crescente contentamento com a internet tem forte relação com algo que tanto criticam: liberdade e capitalismo.

São esses dois fatores os principais responsáveis por nosso progresso. Diante disso, cabe às maiores redes de comunicação no mundo se adequarem às inovações econômicas e tecnológicas. Alguns já compreenderam e buscam se modernizar.

Em meio a isso, cabe refletir sobre a potencialidade da liberdade e do capitalismo para a efetivação do que chamamos participação democrática. Liberdade, com se vê, gera mais liberdade.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O que não foi feito

As eleições 2010 marcaram a segunda escolha de um presidente desde minha chegada à idade adulta. Em meus 19 anos, quando Lula foi reeleito, meu discurso pairava mais sobre os escândalos de corrupção, inerentes a esse governo. Contudo, nestas eleições não apenas a ilicitude chamou minha atenção. Também atentei ao modo de governo que pregavam e aos discursos dos presidenciáveis no decorrer da campanha. Em meio a isso, uma coisa vi como certa: vencendo qualquer um dos dois primeiros colocados, continuaríamos onde estamos. E onde estamos, apesar da propaganda do atual governo, não é nada auspicioso.

Dois presidentes da república se destacaram e foram responsáveis pelo que de bom ocorreu ao Brasil após o fim da ditadura. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, nomes importantes na luta pela democratização, tornaram-se presidentes. Um modernizou o país, fez com que o capitalismo – sempre atrasado na América Latina – garantisse nosso progresso. Outro distribuiu renda. Fizeram história, sabemos todos. No entanto, nenhum teve a coragem de concretizar as tão sonhadas reformas política, tributária e previdenciária, sem as quais continuaremos com os mesmos entraves políticos e econômicos.

Passados 16 anos, nosso sistema político ainda é o que podemos chamar, grosseiramente, de um horror. Votamos num deputado e elegemos outros. Inúmeras regiões no país não conseguem eleger um representante para as assembléias legislativas ou para a Câmara Federal. Milhões ficam sem representação no legislativo. São Paulo, estado com maior número de eleitores, não tem a quantidade de deputados federais que lhe cabe.

O mar de corrupção nos governos, diferentemente do que pensam alguns, poderia muito bem ser contornado com a diminuição dos cargos comissionados, uma das importantes propostas da reforma política. São esses cargos, entregues a partidos aliados no intuito de se obter maioria no legislativo, os responsáveis pela esmagadora maioria dos escândalos políticos. A redução no número de funcionários nomeados seria a melhor medida contra isso. Algo que, no governo Lula, agravou-se com o avultante aumento no número de servidores dessa espécie nomeados.

Mesmo com sua alta popularidade – pesquisas apontam 80% de aprovação ao seu governo – Lula não conseguiu fazer andar no Congresso medidas contra problemas políticos comuns ao Brasil. Assim como FHC, o presidente petista não trouxe à tona questões importantes, como financiamento público de campanha, voto distrital, fim do foro privilegiado, entre outros temas. Perdeu-se uma oportunidade que, acredito, não reaparecerá no governo de sua sucessora, Dilma Rousseff.

A única grande iniciativa política efetivada nos oito anos do governo petista veio de um anseio popular, a Ficha Limpa. A medida, hoje em vigor, impede (e já impediu) que políticos com processos em segunda instância se candidatem – ou sejam eleitos - a cargos públicos.

Se em reforma política pouco ou nada foi feito pelo governo Lula, em economia também nada mudou. Contamos ainda com as medidas econômicas implantadas por Fernando Henrique. Temos ainda a maior taxa de juros do mundo. Os impostos pesam do mesmo modo sobre ricos e pobres. Produtos básicos de consumo, como alimentos, têm alta carga tributária. Enfim, nenhuma reforma cuidou de modificar uma estrutura tributária arcaica, que sufoca milhões de brasileiros.

Com o fim dos oito anos de seu governo, Luís Inácio Lula da Silva deixará o cargo com a mais alta popularidade que um presidente já teve no Brasil. Seu legado consistirá nos milhões de brasileiros que saíram da miséria ou assomaram à classe média. A velha esperança de uma esquerda ainda não extasiada de que se mudassem as estruturas do país com a chegada de um sindicalista ao poder não se consumou. Tampouco os que desejavam medidas eficazes contra problemas peculiares a esta terra foram atendidos. Mas estes não esperavam mais do atual presidente. Não se deixaram levar pelo endeusamento lulista dos últimos anos.

Assim, quando deixar o governo, Lula terá desperdiçado a maior chance que um presidente teve para remodelar o Brasil. No lugar de políticas sociais efêmeras, reformas que proporcionasse a todos direitos fundamentais. E isso, somente com as reformas citadas acima. Algo que, a julgar pela fragilidade da candidata vencedora, não ocorrerá nos próximos quatro anos.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Até quando esse atraso?




A privatização entrou no cenário político brasileiro no começo da década de 1990. O inchaço do Estado, a ineficiência administrativa das estatais, aliados a uma dívida crescente do poder público fez com que finalmente se analisasse a viabilidade de modernizar o aparelho estatal brasileiro. A venda de instituições falidas, que pouco ou nada rendiam aos cofres públicos, enxugaria o governo, permitindo que focalizasse áreas de maior importância e ainda renderia verbas para abater em dívidas.

Essa discussão, enfim, não traz nenhuma novidade. As privatizações foram feitas e a hoje privada Vale rende em impostos muito mais do que rendia enquanto estatal. Também emprega um número quase cinco vezes superior ao que tinha em funcionários e é considerada a maior empresa da América Latina. Caso semelhante ocorre à Embraer, que hoje exporta seus aviões para o mundo inteiro.

As empresas de telefonia, também privatizadas, agora possibilitam ao cidadão menos dores de cabeça. O custo por uma linha telefônica é ínfimo se comparado ao que era antes. Os serviços prestados pelas operadoras são, apesar do bom número de reclamações, infinitamente superiores ao que seriam se fossem empresas públicas. A competitividade na telefonia móvel fez com que as empresas investissem no setor e, atualmente, o celular se tornou bem comum até mesmo aos mais pobres.

Em suma, como vimos no Brasil, a privatização serviu para que o governo pudesse focalizar seus investimentos em áreas estratégicas para o país. O pensamento liberal clássico, quando vislumbra um modelo de governo que permita o livre mercado, denota que ao Estado cabe priorizar segurança, saúde e educação. Estas, sabemos todos, são as principais aspirações de toda uma nação e, portanto, devem ser a de seus governantes.

Desse modo, por que interessaria a um governo a responsabilidade por uma empresa de mineração, principalmente se esta traz mais prejuízos que benefícios? As empresas de telefonia cabem dentro dos objetivos citados acima? Não vejo motivos que me levem a crer que a telefonia nas mãos de governantes contribuam para a educação, saúde e – meu medo - para a segurança.

Os benefícios conquistados através da privatização de estatais no Brasil estão aí, são fáceis de serem encontrados. Todavia, o uso eleitoreiro do discurso de que se está “vendendo país”, com vistas a demonizar esta política, nada mais é do que isso: discurso eleitoreiro.

Nos últimos oito anos do governo de Luís Inácio Lula da Silva, os brasileiros tomaram conhecimento de uma série de denúncias de corrupção envolvendo estatais. Correios, Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, entre outras, ganharam as páginas dos jornais por um só motivo: corrupção. Quem pagou por isso? O contribuinte, que ajuda a manter empresas assim e, consequentemente, arca pelo descaso com a coisa pública. Tudo isso por um simples motivo: nas mãos de funcionários nomeados pelo governo e seus aliados, quem zela pela boa conduta e pela produtividade? Qual o interesse dos presidentes e diretores destas estatais? Se não é o lucro, visto que não interessa o lucro a uma empresa pública, o que buscam os executivos destas instituições?

Sendo o lucro o principal responsável pelo crescimento da Vale e da Embraer, pelo bom funcionamento das empresas de telefonia, os funcionários nestas instituições têm somente uma missão em seus trabalhos: produtividade. Caso atentem contra isso, e cometam infrações, nenhuma ligação política os manterá em seus cargos: serão demitidos.

Trata-se talvez de uma explanação simplista, eu sei, mas ainda sim válida na atualidade – principalmente quando o partido no poder demoniza esta ação.

Mas são fatores assim, simples, que denotam a grande diferença entre empresas estatais e privatizadas. Os compromissos deixam de ser políticos e se tornam puro e simplesmente trabalho.

E trabalho rende frutos.

Nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso grande parte das empresas públicas foi privatizada. Contudo, um dos setores que mais geram reclamação passou longe do interesse deste governo, assim como de seu sucessor. Como consequencia, a ineficiência peculiar a instituições públicas culminou no caos que temos hoje em nossos aeroportos. Passados oito anos, o governo do presidente Lula pouco fez neste setor. Talvez pelo receio de que se volte contra ele o que tanto criticou em seu antecessor.

O certo é que ficará para o próximo presidente discutir esse assunto e tomar providências corajosas, semelhantes às tomadas por Fernando Henrique. E o caso dos aeroportos é apenas um exemplo.

Todavia, o discurso eleitoreiro de que privatizar é coisa ruim – mais uma das muitas imaturidades do Partido dos Trabalhadores – irá atrapalhar a solução tanto do problema da corrupção no setor público quanto da ineficiência administrativa. Perde o presidente eleito, mesmo que seja a candidata do governo, e perde o brasileiro.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Por um pouco de ética no voto

Imagine um mundo em que a moral é fator predominante em cada individuo. Um ambiente em que cada homem e mulher age consoante o imperativo categórico kantiano, isto é, um lugar onde impera a máxima moralidade. Onde palavras como roubo, traição, mentira, assassinato, entre outros termos referentes a atitudes negativas, inexistem. Agora, imagine o contrário: um mundo de caos em que todas as ações imorais da humanidade são cometidas, todos os dias, por toda a raça humana.

Os dois exemplos acima decerto já devem ter perpassado pelo pensamento de muitos, sejam filósofos, cientistas ou pessoas comuns. Todavia, é o economista Eduardo Giannetti da Fonseca quem trata desse assunto refletindo sobre a existência da ética como fator determinante do progresso científico e econômico. Ou, como bem elucida a contracapa do livro “Vícios privados, benefícios públicos”, como elemento crucial para a riqueza das nações. A ética como algo a mais.

Esta rápida digressão se justifica quando observamos o que está em jogo nas eleições deste ano. Na disputa, os dois lados, PT e PSDB, assemelham-se em diversos pontos, seja em relação à economia, saúde, infraestrutura, educação, etc. Os discursos de ambos denotam viés interventor e, portanto, de esquerda. Nada diferente, exceto os casos de corrupção envolvendo um dos lados.

O governo do Partido dos Trabalhadores, do qual a candidata Dilma Rousseff faz parte, coleciona um bom número de escândalos políticos. Por outro lado, o adversário, José Serra, apesar de não ostentar em seu currículo casos de corrupção, não é visto com bons olhos por grande parte dos eleitores, seja por sua falta de carisma ou pela ligação com o governo de Fernando Henrique Cardoso – que, para muitos desinformados, foi um desastre.

A propaganda eleitoral do PT na televisão busca a todo tempo polarizar estas eleições como sendo um caso de escolha entre dois modos de governar: o petista, correto; o tucano, errado. Nada absurdo até aqui. No entanto, quando tentam explicar o que seria o modo certo de governar, uma série de inventividades ganha a tela. Notícias sobre a economia, a ascensão de milhões de brasileiros à classe C, a execução de programas como ProUni, Minha Casa, Minha Vida etc. Nota-se que a grande arma de Dilma e do PT nestas eleições é o bolso do brasileiro – segundo eles, cheio -, o que sabíamos que ia acontecer. Contudo, a economia aparece como elemento único das aspirações de metade dos eleitores brasileiros.

Voltando ao libelo de Giannetti, em sua introdução o autor denuncia certo paradoxo do brasileiro. Apesar de não tratar detidamente deste assunto, o economista mostra que é constante no cidadão tupiniquim seu indignar com “a situação do país”. O brasileiro clama por ética e justiça, contudo, o paradoxo surge quando lemos nossos jornais: o que surge é a realidade, que dilui nosso falso discurso. Assim, apesar de nos indignarmos ante o mar de lama a que estamos imersos, somos os reais responsáveis por ele. E nosso voto, posso dizer, tem relação simétrica com isso. Sabemos que determinado político é corrupto, no entanto, votamos nele se objetivamos conquistar algum favor.

Não tenciono afirmar, com isso, que a quase vitória de Dilma Rousseff nestas eleições tenha ligação direta com nosso velho e famoso clientelismo. A eleição de todos os políticos, em toda a história, correlaciona-se com a conquista de alguma coisa pelo eleitor. Não fosse assim, como escolheríamos nosso voto?

No entanto, volto aqui à peculiaridade do voto na candidata do Partido dos Trabalhadores. Durante os quase oito anos desse governo tomamos conhecimento de um bom número de casos de corrupção. Um lamaçal sem fim, responsável pela queda de ministros e assessores intimamente ligados ao presidente da república. Não foi qualquer corrupção. Não se tratava de nosso prosaico “jeitinho brasileiro”. Foi amplamente dito que este tem sido o governo mais corrupto da história do Brasil.

Em Vícios privados, Eduardo Giannetti demonstra o quanto a ética foi elemento condicionante para o progresso da humanidade. Ela se ergue acima das pretensões pessoais, sendo imperativo para o respeito às regras do jogo.

Nestas eleições, milhões de brasileiros podem escolher entre o bolso “farto”, que acham certo com a vitória de Dilma - e mesmo que avalize a corrupção - e o bolso “incerto”, que punirá o descaso com a coisa pública. Eles temem que a vitória de José Serra constitua a volta da crise econômica e, consequentemente, do desemprego. Como se um presidente da república estivesse acima dos interesses comerciais do mundo inteiro. Desconhecem tanto as semelhanças entre ambos os candidatos quanto as atribuições do chefe do executivo.

Quem sabe em alguns anos, quando o bolso for enfim entendido por todos como elemento peculiar ao capitalismo, alheio às pretensões de um homem ou partido, a ética seja lembrada na hora do voto. Não se trata aqui da utopia da máxima moralidade descrita no início do texto, o que, como mostrou Giannetti, é também um empecilho ao progresso. Mas de fazer com que o paradoxo do brasileiro - essa estranha mania de criticar a podridão, porém contribuir com ela -, seja deixado de lado, no momento que escolhermos o próximo presidente.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O horror do nosso vazio

Alguns dos que hoje se inflamam em virtude de uma das mais conturbadas eleições de nossa jovem democracia, décadas atrás faziam coro contra uma ditadura que perseguia e os punha à margem de qualquer liberdade. Jornalistas, políticos e intelectuais lutavam em conjunto, cada um à sua maneira, em busca do sistema político que relutava em firmar-se neste solo. Uma almejada democracia, que cuidaria de proporcionar-lhes direitos inabaláveis como o de se expressar e agir politicamente.

Este grupo, composto pelas mais distintas ideologias, imbuídos por diversos interesses, combatia o Regime Militar munidos de armas e palavras. Alguns viam no partido de oposição, o MDB, uma ferramenta de diálogo em busca da efetivação do sistema democrático. Outros agiam nas ruas, com grandes movimentações populares a fim de chamar a atenção do mundo. Também havia os que pegavam em armas, atacavam instituições do governo militar, embasados nos ideais marxistas de que somente através da luta, da derrubada violenta do sistema vigente, se poderia chegar ao que, segundo eles, seria o mais justo e humano modo de viver: o comunismo.

Juntos, liberais e socialistas, políticos progressistas e conservadores despojados do poder conseguiam coexistir amparados num ideal maior: a conquista da liberdade. Com um inimigo comum, era na junção dessas milhares de vozes que a luta ganhava força. Via-se uma solidariedade jamais alcançada nesta terra tão desacostumada com o bom-senso.

Não obstante, hoje libertos daquele inimigo comum - o regime que levou algumas centenas de personagens de nossa história, amigos e familiares destes homens de hoje -, aquela doce solidariedade transformou-se em militância acéfala. Os mesmos políticos e intelectuais que, unidos, lutavam por direitos que ora usufruímos como senso-comum, transformaram-se em inimigos declarados, incitando suas massas de seguidores a uma batalha cotidiana de golpes baixos, ataques chulos e irrefletidos.

A internet, que muitos viam e ainda veem como sendo um espaço de diálogo e convergência, tornou-se terreno frutífero para a disseminação de asneiras, de discursos vazios inerentes a leitores de pouca leitura. Onde se esperava diálogo, encontra-se uma retórica virulenta, impregnada de termos de baixo calão.

Em meio a isso, parece que a sorte está ao lado de quem não tem acesso ao ciberespaço e consegue viver muito bem desprovido de informações que parecem nada ter a acrescentar a nossa história política. Evita-se, assim, o estresse proporcionado pelo rancor e a ignorância de militantes alienados a uma coisa que mal conhecem e, talvez, nem exista.

Parece que o vazio de nossos dias, em que nada mais há a se construir, faz com que se criem causas difusas, se façam inferências insanas e esquizofrênicas a despeito de nossa atual situação política. Criam-se demônios onde, décadas atrás, viam-se super-heróis.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O difícil trabalho de conviver na democracia

“Governar com o inimigo! Governar com a oposição”, assim brada Ortega y Gasset ao refletir sobre o caráter de uma democracia liberal, o sistema que possibilita a mais alta e louvável possibilidade de coexistência. Somente numa democracia liberal as minorias têm a legitima liberdade de exercerem o direito de se expressar, de agirem política e economicamente, etc. Os ensinamentos do filósofo espanhol, contudo, em virtude de nossa peculiar intelligentsia, alheia ao significado das palavras liberdade e coexistência, soam ininteligíveis.

O espetáculo das eleições deste ano revela a indigesta imaturidade intelectual e política dos brasileiros. Governo e oposição digladiam-se em busca do poder, ou com vistas a mantê-lo. Uma guerra que nada tem de ideológica e desprovida de qualquer sentido, que amealha tanto a classe política quanto a classe acadêmica, passando irremediavelmente pelas redações. O espetáculo toma a mídia, entra nas casas, nos ambientes de trabalho sem que o cidadão, principal interessado nesta questão, consiga compreender o real significado desta obscura disputa.

“É a pura manifestação da democracia”, diriam uns. Poderia ser. Não obstante, o resvalar para o jogo de extermínio de políticos e partidos adversários revela a facilidade de se diluir a democracia, vivendo numa democracia. A manifestação do presidente Luís Inácio Lula da Silva incitando às suas massas de eleitores para que “extirpem” um partido de oposição ressoa num questionamento feito décadas atrás por Gasset em sua obra-prima, “A rebelião das massas”. Denota o filósofo como a oposição extingue-se na maioria dos países. “Em quase todos, uma massa homogênea pesa sobre o Poder público e esmaga, aniquila todo o grupo opositor”, revela.

A existência de uma oposição forte e atuante é o principal sinal da boa saúde de um sistema democrático. Sem ela, a obscuridade da ditadura voltaria inapelavelmente a nos assombrar, ou, como define o cientista político Robert Dahl, voltaríamos a viver numa hegemonia fechada, regime em que a participação política é limitada, sendo comandada por um único poder.

Dahl defende a existência de uma poliarquia, aliás, nome de sua obra maior, em que a participação e a competição política denotam a efetivação dos mais avançados ideais democráticos.

Diante disso, o que dizer de uma representação política que, retomando Ortega y Gasset, “odeia de morte o que não é ela”?

O radicalismo do Partido dos Trabalhadores lhe é inerente desde sua fundação, quando se opôs à assembleia constituinte em 1988, este um dos primeiros sinais da imaturidade política do partido fundado por Darcy Ribeiro, Sergio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes, três dos maiores pensadores brasileiros.

A inconsequência juvenil ainda se manifestou na oposição desmedida às hoje elogiadas conquistas do governo de Fernando Henrique Cardoso, como o Plano Real – tido como um estelionato eleitoral que levaria o país às ruínas pelo agora candidato ao governo de São Paulo, Aloízio Mercadante -, a Lei de Responsabilidade Fiscal, as bolsas de distribuição de renda - hoje Bolsa Família -, etc.

A vitória de Dilma Rousseff, dada como certa pelos institutos de pesquisa, retrata o momento de hegemonia política fundamentada na figura do presidente Lula. Com um dos mais altos índices de aprovação já conquistados por um presidente da república, é natural que o candidato patrocinado pelo governo seja eleito, assim como Fernando Henrique o fora em 1994.

Não obstante, a hegemonia gramsciana – alvo máximo do PT com a eleição de Dilma - idolatrada pelo antes partido socialista não é por ele adotado. Para o cientista político italiano Antonio Gramsci, a hegemonia de uma classe mantém-se através da educação e da persuasão dos diversos setores da sociedade civil, sustentado também por seus intelectuais engajados. Contudo, o que se vê é um misto de politicagens peculiares aos setores mais conservadores do país.

Assim como o governo Lula tem a anuência de movimentos sociais como os sindicatos e o Movimento dos Sem Terra, banqueiros e empresários de diversos setores constituem o núcleo de sustentação da atual administração. Mas podemos muito bem conceber que tudo isso tem ligação com os financiamentos proporcionados pela Caixa Econômica Federal e pelo BNDES – o filme Lula, o filho do Brasil, patrocinado por empresas interessadas em financiamento público denota bem este caso. Do mesmo modo como os repasses públicos cada vez mais avultantes aos sindicatos parecem ter relação assimétrica com a chapa-branca em voga nos sindicatos. Com isso, jogam-se no lixo também os ensinamentos de Gramsci, este o ancoradouro ideológico do PT.

A ideia de extirpar os Democratas de nosso sistema político simboliza um dos mais abissais recursos dos movimentos totalitários. Algo recorrente a todas as ditaduras, seja de esquerda ou de direita, é extinguir partidos adversários a fim de garantir sua hegemonia.

Contudo, graças à pluralidade partidária peculiar ao Brasil, o máximo que o Partido dos Trabalhadores conseguirá é abalar as forças do maior partido de oposição ideológica, o PSDB. O bom número de partidos existentes no país, com grande representação parlamentar, impede a consagração de um regime totalitário. No entanto, nada nos livra na efetivação do maior receio de nossos democratas liberais: o PT se tornar o PRI mexicano, permanecendo décadas na mais elevada posição de nossa política.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Para relembrar FHC


Aos seis anos de idade eu nada podia entender do que se passava ao meu redor. Os jornais em cima do sofá, o olhar atento de meu pai em direção em direção à TV eram incompreensíveis. Algo, no entanto, meus sentidos decodificavam como sendo o final feliz de um conto de fadas. O Brasil mudava. O semblante mais despreocupado de meu pai relacionava-se, eu sabia, ao que era noticiado naquele amontoado de papel e no programa entediante da televisão. Na tela, a presença constante de um homem assinalava que era ele o principal responsável por toda essa movimentação.

Demorei anos para compreender aquela época. Os jornais davam conta de uma mudança, da promessa de um futuro melhor para todos os brasileiros. Eram homens, números, dinheiro. Era a política e a economia, duas “palavras” tão desconhecidas ao menino ainda semi-analfabeto, que mudavam.

Hoje alfabetizado, tanto na tela do computador quanto nos livros entre as mãos, posso traduzir cada momento do que vivi em minha infância e adolescência. As reclamações do meu pai ante o noticiário na televisão ou os momentos de tranquilidade da família. As revoltas de meus professores, que se diziam petistas e aconselhavam a mim e a meus colegas que influenciássemos nossos pais a fazerem sabe-se lá o quê. Desconhecia o significado de ser petista e do que queriam dizer quando falavam em privatização – outra palavra em voga à época. Agora compreendo o que diziam, e a lembrança de um professor de história no Ensino Médio me faz tomar o assunto como terminado. Ele falava de seu arrependimento por ter defendido e votado num presidente que, já em 2004, há dois anos no poder, ainda não havia feito nada do que prometera.

Antes de completar sete anos, em 1993, todo o país sofria com as altas constantes de produtos de primeira necessidade. Eu via frequentemente na televisão funcionários de supermercados que não paravam de remarcar o preço do arroz, do feijão, do óleo, do açúcar, etc. Milhões de brasileiros sofriam ante o aumento desses produtos acima da capacidade de compra de seus rendimentos. Era a inflação, outra palavra comum na TV que eu desconhecia por completo.

Já nessa época, alguns planos mirabolantes haviam fracassado no intuito de conter este que era o maior problema brasileiro. Somente em 1993, quando o então presidente Itamar Franco nomeou seu ministro das Relações Exteriores para o cargo responsável por sanar a inflação, Ministro da Fazenda, que uma mudança finalmente foi delineada. Era Fernando Henrique Cardoso, um sociólogo, quem assumia o cargo preferencialmente atribuído a economistas. E foi ele que em fins do mesmo ano anunciou o Plano Real.

Foi esse programa econômico que, assim que efetivado, começou a estabilizar a economia brasileira. Também foi o Plano Real o responsável pela eleição de Fernando Henrique em 1994 para a presidência da república.

A estabilização da moeda pode conter rapidamente a desvalorização do dinheiro. Finalmente, milhões de brasileiros conseguiram sair da linha da miséria. Como se nota no livro Era FHC: um balanço, organizado por Bolívar Lamounier e Rubens Figueiredo, publicado em 2002, não apenas o arroz e o feijão compunham agora definitivamente o prato do cidadão comum, mas também a carne. Passou-se a consumir menos carboidrato e mais proteína.

Estes foram os primeiros sinais de uma mudança que ajudou a construir o hoje, não mais a esperança do “Brasil do possível”, do futuro, mas do presente.

Todavia, àquela época muitas outras discussões tomavam os jornais e a televisão, e eram trazidos, como falei, por meus professores à sala de aula. Eram monstros chamados de privatização.

Lembro de um trabalho em sala de aula, onde a professora de história pediu que escrevêssemos uma redação sobre a privatização da Vale do Rio Doce. Sem hesitar, comecei a escrever sobre o que achava, lembrando o que havia ouvido dias atrás: FHC estava vendendo a estatal para traficantes, contrabandistas ou algo do gênero. Faço alguma ideia de onde devo ter ouvido isso, isto é, de quem foi o responsável por espalhar tal falácia, de uma leviandade inquestionável.

Junto à Vale do Rio Doce, estatais de telefonia foram privatizadas e cogitava-se ainda a venda da Petrobrás, da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, etc. “FHC está vendendo o Brasil”, dizia-se. Na TV, alguns homens hoje muito conhecidos faziam estardalhaço em protesto contra as ações do governo.

Sobre as privatizações, tão criticadas pelos homens que atualmente governam este país, não preciso dizer muito. A matemática é ciência inquestionável, já a retórica política... E ademais, eles, que tanto criticaram, mantiveram em seu governo a política de privatização.

Sabemos que, graças à privatização da Vale do Rio Doce, a instituição tornou-se hoje a maior empresa brasileira. Rende em impostos uma soma muito superior ao que rendia enquanto estatal. Impostos que podem muito bem serem gastos em segurança, educação e saúde, estes sim, temas de maior prioridade de qualquer governo.

Já sobre as estatais de telefonia, as críticas inconsequentes quedam-se quando atendemos o celular, utilizamos a internet ou apenas ligamos a uma destas empresas a fim de solicitar uma linha telefônica – algo impossível antes da privatização, quando as linhas custavam caro e demoravam séculos para serem instaladas.

Em meio a isso, mudanças estruturais foram implementadas em estatais de notória importância estratégica para o país, como na Petrobrás e na Caixa Econômica Federal.

Agências compostas por representantes da sociedade civil passaram a regular e a fiscalizar empresas estatais ou já privatizadas. Um novo modelo administrativo se erigia, desinchando o estado, permitindo assim que ele se dirigisse a outras questões também importantes para o país.

Todavia, críticas podem ser feitas, como deveria ser de praxe em meio às muitas ações que podem tomar quem administra um país. Mas uma das críticas mais relevantes diz respeito à privatização da Telebrás, estatal de telefonia. Tal privatização, nas palavras do ex-ministro tucano Luiz Carlos Bresser-Pereira, era inaceitável no caso da telefonia fixa. E mesmo com a telefonia móvel, a privatização somente seria pertinente se as estatais permanecessem nas mãos de brasileiros.

Mesmo assim, com estas instituições livres da burocracia inerente ao poder público, milhões de pessoas hoje possuem linhas telefônicas e celulares. A competição neste setor incentivou investimentos por parte destas empresas, dando ao consumidor possibilidades de escolha antes improváveis.

Outras medidas, como o PROER, que impediu um colapso no sistema financeiro do país ao salvar bancos estatais como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, contribuíram para a solidez econômica brasileira na atualidade. Também a Lei de Responsabilidade Fiscal, que delimita os gastos de estados e municípios, amplamente atacada pelo Partido dos Trabalhadores, é hoje de uma das iniciativas políticas mais defendidas do governo Fernando Henrique até mesmo por seus opositores.

Afora estas iniciativas, capazes de garantir ao governo tucano lugar de destaque na história política do país, a economia hoje segue as diretrizes implantadas nos últimos anos do governo. O famoso “tripé econômico”, composto pelo câmbio flutuante, pelas metas anuais de inflação e pelo superávit primário permaneceu mesmo após a chegada de um partido tido como de esquerda ao poder.

Conquanto não tenham progredido em medidas desejáveis, saneamento básico e energia elétrica chegaram a milhões. O salário mínimo aumentou mais de 150%, passando de R$ 70 para R$ 180, um crescimento semelhante ou maior que o obtido no atual governo.

Todos estes acontecimentos passaram como que incólumes à criança e ao adolescente que cresceu e ora aqui defende um dos maiores legados de nossa história. Um breve caminhar pela história de nosso país me permite dizer sem temor de incidir em erro que Fernando Henrique Cardoso delineou o caminho para nosso atual sucesso político e econômico. Foi ele quem primeiro demonstrou ao mundo as possibilidades de um Brasil sempre esquecido mostrar, finalmente, sua grandeza.

Não é preciso, como se vê, de muito trabalho para defender oito anos de um governo que, longe da estagnação que lhe atribuem, trouxe incontáveis avanços ao país. Nenhuma propaganda ufanista é capaz de apagar uma história.

Que os defensores do atual governo, levado à tela pela imagem de Luís Inácio Lula da Silva, também possam defender seu legado. Não obstante, um governo não se mede por números, conquanto sejam eles os responsáveis pela boa ou má avaliação de uma administração. Que tragam ações que incidam, aí sim, em números que comprovem sua eficácia. Números sem ações, sem políticas públicas efetivas como causa, apenas corroboram a tese de que hoje o que se colhe foi plantado anteriormente, nos oito anos da Era FHC.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

O labirinto de todos os nomes

“Felizmente, graças à inesgotável generosidade da imaginação, cá vamos suprindo as faltas, preenchendo as lacunas o melhor que se pode, rompendo passagens em becos sem saída e que sem saída irão continuar, inventando chaves para abrir portas órfãs de fechadura ou que nunca tiveram.” (trecho de A viagem do elefante, de José Saramago)

A morte de José Saramago, na última semana, trouxe-me a sensação angustiante do arbítrio da morte. Jamais tive de me habituar, visto minha pouca idade, ao anúncio da morte de alguém que, na calada da noite, libertava-me do tédio, apaziguava-me o espírito e me acompanhava nas horas aflitas de insônia. Nunca vi partir um escritor prezado ou algum compositor que, com suas palavras, impregnava-me de uma sensação de vida não vivida, de lugares não vistos e sensações ainda não sentidas. Praticamente todos aqueles que haviam preenchido as horas de tédio de minha adolescência já descansavam dos infindos labirintos desta vida.

Sempre que refleti sobre a labuta incansável de um escritor, e seu diálogo incessante com as palavras e a imaginação, labirintos de todos os tipos e cores emergiam como que respondendo à indagação que, ou eu não ousava, ou procurava afugentar de meus pensamentos. Escrever e imaginar paisagens, cenas, vidas existentes apenas na imaginação e na folha de papel, coisas que as palavras fazem nascer e agir. Os labirintos que se esboçam na cabeça de quem escreve, sozinho com sua máquina de escrever, parecem ser o desígnio de um escritor, como foi o de José Saramago.

Logo que dei pela morte de José, outro homem, de nome semelhante, lembrou-me do labirinto. O labirinto de ‘Todos os nomes’, a segunda obra do escritor português que tive a oportunidade de ler. Assim como o escritor, o personagem é colocado num universo de entradas e saídas. Lugares solitários em que somente o pensamento o acompanha, no exercício intrépido de encontrar a única saída. Um labirinto de nomes, de pessoas comuns, perdidas em seu próprio labirinto.

José Saramago, assim como todo bom escritor, parecia perdido nesse universo próprio, imaginado e terminado por ele. Denominava-se comunista e defendia a democracia. Foi o seu ateísmo que chamou minha atenção e me fez ler o polêmico O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro que horrorizou a Igreja Católica, que fez proibir a sua venda em Portugal.

A morte de Saramago representa o fim de um dos maiores escritores contemporâneos. Recordando minha adolescência, lembrando de escritores que contribuíram de algum modo para o que sou hoje, sobra-me apenas um gênio, Gabriel García Marquez.

A vida desses tantos homens, que preenchem as prateleiras das deliciosas edificações as quais damos o nome de biblioteca, contudo, parece não ter fim. Não conheci Machado de Assis, Graciliano Ramos, nem tampouco Saramago enquanto em vida. No entanto, eles parecem invadir e tomar um espaço dentro de mim que somente quando eu descansar do meu próprio labirinto irá se dissipar.

Talvez seja essa a alegria de escrever, de criar histórias e esperar que ao menos uma criatura em todo o mundo as leia. Quem escreve decerto sabe dos receios de se adentrar em um mundo do qual não se conhece a saída, e nem quais serão os mistérios guardados em seu interior. E assim, encontrando-se a saída, talvez essa espécie de imortalidade cuide de trazer um pouco de satisfação.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

“A oposição venceu”, o eleitor talvez


As palavras entre aspas acima, do deputado federal João Almeida, líder do PSDB na Câmara, retratam bem o modus operandi de nossos representantes no legislativo. Após uma noite conturbada de votações na Câmara dos Deputados, o governo federal sofreu duas derrotas: o aumento aos aposentados acima do previsto pelo executivo (pedia-se 6,14%, aprovou-se 7,72%) e a extinção do Fator Previdenciário. Ambos, juntos, representam um rombo nos cofres públicos no valor de R$ 5,6 bilhões ao ano. No discurso do líder da bancada do PSDB, as votações terminaram com uma vitória para os opositores do governo.

Deve-se a votação do fim do Fator Previdenciário, criado por Fernando Henrique Cardoso em 1999, a uma emenda do deputado do PPS de Santa Catarina, Fernando Coruja. Dos 47 deputados tucanos, 6 votaram pelo fim do fator. “Uma irresponsabilidade fiscal”, nas palavras do deputado Arnaldo Madeira, um dos membros do PSDB a votarem contra a emenda. No PT, a maioria votou pela manutenção dessa lei. Pôde-se ver nas duas votações, ainda, que o liberalismo econômico do DEM não é tão inabalável assim: o partido apoiou o aumento acima do previsto para os aposentados e a extinção Fator Previdenciário.

Não é preciso um olhar especializado, nem tampouco acompanhar muito o Congresso, para notar que a mesma irresponsabilidade que permeava o PT nos anos em que foi oposição determina há alguns anos as ações dos opositores do governo Lula. O Partido dos Trabalhadores, que votou contra o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal, agora sofre com o revés dos partidos aos quais fazia oposição. Desse modo, somente com a ampla base de aliados que conseguiu montar, tanto na Câmara quando no Senado, Lula pôde ver seus trabalhos quase sempre aprovados – mesmo que de forma escusa, basta lembrarmos o “Mensalão”.

Assim, erige-se uma questão dessa batalha partidária: o que ganha o Estado e, consequentemente, o eleitor? Como afirmou o deputado tucano, Arnaldo Madeira, os deputados que extinguiram o fator previdenciário nem sequer calcularam os custos dessa ação para os cofres públicos.

Desde a criação do Fator Previdenciário, que impede a aposentadoria precoce dos trabalhadores ao exigir tempo de contribuição (35 anos para os homens e 30 para as mulheres) ou idade (65 para homens e 60 para mulheres), foram economizados mais de R$ 10 bilhões de reais. Essa iniciativa, como se vê, impediu que a Previdência Social falisse tendo os gastos com o pagamento de aposentados acima do recebido com a contribuição dos trabalhadores na ativa.

A existência da oposição política é a garantia de uma democracia. Todavia, essa oposição deve trabalhar com responsabilidade, abstendo-se de ações que coloquem em risco a própria democracia ao colocar suas instituições em colapso. A aprovação não pensada de duas ações que incidem negativamente nos cofres públicos coloca em questão os limites da oposição política. O modus operandi do sistema político difere-se do esportivo. A política não é um jogo onde o adversário tenta impedir o outro de efetuar seu match point. Esta semana, o governo Lula não perdeu, nem a oposição ganhou. Perdemos todos.

domingo, 11 de abril de 2010

A vida como ela é, no Rio


Por Victor Chimenez


Dona Aparecida vê o que restou da sua casa e lamenta: - Meu Deus do céu e agora o que será da minha vida, perdi meus móveis, perdi minhas roupas, meu sustento, perdi a dignidade.
Esse é apenas um exemplo de tantos outros de uma cidade onde o caos tomou conta. Rio de Janeiro, cartão postal brasileiro, inspiração de tantas músicas, inclusive de Gilberto Gil, que cantava que a cidade continua linda, hoje é um retrato da falta de infraestrutura e abandono por parte da administração pública.
O resultado é evidente, com essas chuvas que causaram mais de cento e trinta mortos, a cidade do Rio de Janeiro mostrou o seu outro lado, o lado da tristeza, da falta de bom senso e comprometimento de suas autoridades.

O Rio de Janeiro que representa treze porcento de toda a riqueza nacional, uma cidade com suas belezas exuberantes, a capital do petróleo e do gás natural, e sede das Olimpíadas de 2016, hoje sofre, sofre como se fosse uma cidade pequena sem perspectiva de desenvolvimento, sem perspectiva de futuro, um futuro assustador, um futuro que assola e está presente em cada bairro, em cada casa que desaba com a chuva que não tem data e nem hora marcada.

Uma cidade como o Rio de Janeiro sofre por ser uma cidade que não se preocupou em investir em infraestrutura e hoje ainda pensa em sediar jogos olímpicos. O Rio de Janeiro não aprendeu que ainda precisa cuidar da segurança, precisa cuidar de saneamento básico, precisa ajeitar seu sistema de transporte e modernizar o seu sistema urbanístico.

O resultado disso tudo é patente, o Rio de Janeiro hoje parece um amontoado de morros, um amontoado de pessoas que amontoadas pedem ajuda e desesperadas pedem um lugar ao sol.

É... o Rio de Janeiro continua lindo, o Rio de Janeiro sendo... Sendo uma capital que ainda não amadureceu como metrópole, ainda não acordou e ainda sonha em sediar os jogos olímpicos com competência e esplendor. Infelizmente, enquanto a administração pública pensar assim, o povo carioca continua assim, abandonado, desassistido e vivendo de sonhos.


* Dona Aparecida é um personagem fictício, uma ilustração, numa história que, infelizmente, é real.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Era para ser o Plano Real do PT


A poucos dias de se desvincular do Governo Lula, Dilma Rousseff ganhou um importante elemento para utilizar em sua campanha, o Programa de Aceleração do Crescimento 2. O projeto, um pacote de investimentos da ordem de 1, 59 trilhão de reais, vem para trazer à candidata petista o mesmo impacto que o Plano Real trouxe ao então ministro da Fazenda do governo de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Levado à mídia enquanto seu antecessor, o PAC 1, atingiu apenas uma ínfima parte do que era previsto, o PAC 2 é fruto da sabedoria das boas cabeças do Partido dos Trabalhadores, que afirmam ter sido o Plano Real o verdadeiro responsável pela vitória de FHC sobre Lula naquele ano.

Se à época o petista tinha imensa vantagem sobre o então desconhecido candidato tucano, o Plano Real cuidou de dar notoriedade a este. E o PAC, com o mesmo apelo do Plano Real, é a aposta petista para transferir algum prestígio a Dilma Rousseff que, assim como o tucano em 1994, estava atrás nas pesquisas. Em 1994, como se sabe, o projeto funcionou, e Fernando Henrique ultrapassou e venceu Lula nas eleições presidenciais. Todavia, o Plano Real estava longe de ser o fiasco que é o Programa de Aceleração do Crescimento.

Elaborado pelo recém-chegado chefe do Ministério da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, junto a vários economistas da PUC/RJ, o Plano Real foi o maior pacote econômico já feito no Brasil. Num contexto de inflação recorde, onde a população sofria constantemente com a alta no preço dos alimentos, o projeto logo se tornou um sucesso e, em poucos meses, reduziu substancialmente a inflação. As medidas implantadas pelo pacote econômico tiveram importante influência no mapa social brasileiro, tirando milhões de brasileiros da miséria – quase 20% da população, segundo a Fundação Getúlio Vargas.

Os efeitos do Plano Real tiveram reflexo no bolso dos brasileiros e foram sim, em parte, os responsáveis pela vitória de Fernando Henrique sobre Lula e o PT – que a todo o tempo se opuseram ao projeto. Através do Plano Real, FHC se tornou o homem mais forte do governo Itamar Franco, que não deixou de vicejar seu apoio pela candidatura à presidência do ministro responsável pelo pacote econômico que pôs, finalmente, o Brasil no rumo do crescimento econômico.

Contudo, excetuando-se a ambição, o PAC está longe de apresentar os mesmos reflexos trazidos pelo Plano Real. Nem a metade da primeira etapa do programa foi concluída. Nos planos do Programa de Aceleração do Crescimento 2 estão investimentos em energia, habitação e transportes. Dando certo, o projeto trará maior independência energética ao país e melhorará toda a infraestrutura de transportes.

Mas, a julgar pelos inúmeros problemas do PAC 1, o PAC 2, por sua ambição, será uma mera peça de campanha para Dilma Rousseff. A candidata de Lula, e mãe do PAC, diferentemente do candidato de Itamar em 1994, e pai do Plano Real, terá de demonstrar muito mais aos brasileiros que obras superfaturadas, mal-acabadas e com atraso.

O Programa de Aceleração do Crescimento, por tudo que nos apresentou até o momento, está longe dos reflexos sociais e econômicos do Plano Real e dificilmente ancorará a campanha da candidata do PT. A boa ideia de dar a Dilma Rousseff o mesmo que Fernando Henrique e sua equipe deram a si mesmos não passa disso: uma ideia.

quinta-feira, 11 de março de 2010

E quando chegarem os comunistas?


Nos últimos dias um fato pitoresco foi descoberto pelos que tentam excomungar os irmãos Castro e sua ditadura na ilha de Cuba. Numa foto, ao lado de Lula – sim, nosso presidente – Fidel Castro trajava um confortável agasalho da Nike, a poderosa empresa norte-americana odiada pelos socialistas. Graças à imagem também se podia ver a imponência da residência castrista, com seus jardins e uma majestosa piscina. Gracejos, dos quais não duvido, ainda dão conta de que o socialista Fidel trafega pelas ruas cubanas fumando seu nativo charuto a bordo de um luxuoso automóvel alemão de nome Mercedes-Benz.

Não conheço a pequena ilha. Desde pequeno apenas ouço rumores de que no lugar ditadura e felicidade paradoxalmente conseguem coexistir. Pessoas que se vestem de vermelho me disseram que lá as escolas cubanas ensinam e o sistema de saúde funciona, além de inexistirem males capitalistas como a miséria e, consequentemente, a criminalidade. Por outro lado, dizem as más línguas, uma ditadura que censura, prende, mata e joga inimigos políticos no calabouço impera na ilha dos Castro.

Mas não entro nesse debate, não é meu desejo aqui. Prefiro remeter esse assunto a um pequeno e maravilhoso livro que li na adolescência: A revolução dos bichos. No decorrer da narrativa, os animais de um sítio revoltam-se contra seu senhor e conquistam a tão sonhada liberdade. A utopia socialista finalmente imperaria naquela terra onde a vontade de um homem era a lei. Todavia, curiosamente, alguns animais cuidaram de tomar para si os frutos da produção. A eles agora cabia o dinheiro e o poder, e ao povo (os outros animais) canga, aguilhão e feno – parafraseando citação atribuída a Voltaire.

Não quero dizer que isso se dá efetivamente em Cuba, pois pouco sei das reais condições do povo de Fidel Castro e seu irmão. Dizem haver por lá muito mais igualdade que em um país capitalista como os Estados Unidos. No entanto, como a lógica é uma ciência muito pouco aplicável ao caso ideológico, refuto a ideia de discutir os contrastes populacional e territorial entre os dois países.

Para terminar com mais uma graça, remeto agora a outra obra. Trago aqui um fato conhecido pelos habitantes da antiga e colossal URSS, contada pelo magnífico José Guilherme Merquior em A natureza do processo. Diz o pensador brasileiro que certa fez o apparatchiki – ou membro do Partido Comunista – Brejnev fez um convite à mãe dele para conhecer sua casa de campo. E assim ele mostrou à senhora os móveis luxuosos, o iate, a frota de automóveis, etc. Após o jantar, o homem que chegou a presidente da União Soviética indaga à senhora: “Mamãe, que tal? Seu filho até que venceu na vida, não foi?” Ao que a velhinha responde: “Sem dúvida, querido Leonid, estou muito impressionada. Mas me diga uma coisa: e quando os comunistas tomarem o poder, como é que você vai se arranjar?”.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Governo vs. Imprensa: Por que ninguém se entende?


Bem antes que se acometesse em mim o desejo peculiar de ser jornalista, muitos no Brasil já se debatiam na dicotomia acerca dos limites da liberdade de expressão. Ou melhor, até que ponto essa garantia de nossa Constituição atenta contra a própria Constituição. Esse debate traz à memória declaração do presidente da Bolívia, Evo Morales, para quem a exagerada liberdade de expressão é um empecilho para seu governo e seu país.


O grande problema no que tange a esse tema, no entanto, é a impossibilidade do diálogo entre os grandes meios de comunicação, o poder público e a sociedade. Afinal, quem são os verdadeiros representantes de seu povo – relembrando o questionamento feito pelo presidente do Senado, José Sarney: a classe política ou a imprensa? Mas não é essa a discussão que trago aqui. O que me comove nos últimos tempos, e esse novo Plano Nacional dos Direitos Humanos vem aguçar ainda mais, é essa relação de ódio e debate à distância entre as três esferas sociais.

Em suma, enquanto a sociedade parece não saber ou não querer entrar na contenda acerca do conteúdo ou do modo de produção e transmissão do produto midiático, o poder público toma para a si a discussão – e a Confecom não ajudou nesse debate, devido à ausência dos grandes veículos de comunicação –, enquanto a imprensa esperneia acerca das pretensões de mudança em seus serviços, acusando o governo de querer ressuscitar o "monstro da censura".

Silêncio, a melhor resposta

Como se vê, não há a previsão de um debate que envolva todos os interessados nessa questão e, assim sendo, toda e qualquer proposta que se valha da alteração da programação televisiva soa como um ato de imposição arbitrária. Digo da televisão, pois é esta a que mais tem gerado conflitos no debate, apesar de parecer que os veículos impressos – nada afetados pelo último PNDH – são os mais insatisfeitos com as iniciativas do governo de alterar o modus operandi midiático.

Em meio a esses conflitos, perde a sociedade, que se vê indefesa ante as infindáveis querelas entre imprensa e governo. E, assim, surge a questão: há, sim, uma predisposição do poder público em censurar jornais, rádios e televisões, ou isso não passa de uma mera falácia por parte da imprensa, por não querer rever seu conteúdo? Por enquanto, sem respostas, permanecemos embasbacados ante uma possível censura e um notoriamente pífio conteúdo midiático.

O que se pede é que o debate não seja um mero disseminador de senso comum. Precisamos, sim, de um maior conteúdo sócioeducativo por parte desses que têm para si uma concessão pública. Todavia, os mecanismos para se medir a qualidade de uma programação devem distanciar-se de prerrogativas político-partidárias – o que seria duvidoso com nosso atual governo.

E, assim, trago novamente a questão suscitada por José Sarney acerca de quem é verdadeiramente o representante do povo. O silêncio da sociedade talvez seja a melhor das respostas.


Por Anderson Oliveira


*Texto publicado no Observatório da Imprensa em 02/02/2010

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Mundo desumano: aonde anda a razão?
















Dos primeiros passos do homem na lua ao desastre no Haiti, um espaço de décadas denota os muitos avanços da humanidade, mas sempre em contraste com fatos que nos mostram a eterna miséria em que vivemos. Não falo da miséria da fome, pois esta não acomete a todos os homens, mas da penúria da razão, do pensamento. Ou seja, trato de nossa indigência e vazio intelectual.

A tragédia que ocorreu dias atrás no Haiti me faz cometer a blasfêmia de duvidar da razão. Sim, estariam absolutamente errados os positivistas franceses e até neopositivistas, como o italiano Norberto Bobbio e o brasileiro José Guilherme Merquior. Em verdade, a razão não existiria, é uma mera utopia peculiar ao que Freud poderia chamar de um infeliz sentimento de superioridade do homem.

Pois sim, a razão deveria nos levar a um progresso constante, em busca de um viver mais harmônico, sem que se recaia em fantasias como as de Thomas More. No entanto, como essa mesma razão pode nos sonegar uma realidade tão acabrunhante quanto a miséria em um país tão miserável como o Haiti? E pior, como a ciência, irmã da razão, pode levar-nos à lua, refutando a existência de um traço tão patente de nossa pobreza? E, em suma, como o progresso distancia-se de si mesmo em tão alarmante medida?

A essas perguntas respondo com um prosaico e pífio “não sei”. Em verdade, essa é a grande essência dessas linhas: um singelo não saber, que exemplifica a leviandade do homem em relação ao Haiti, à África ou à miséria em todos os cantos. Realmente não sabemos como agir, ou, simplesmente, esquecemos. Todavia, ao pensar assim, através da imagem da bondosa brasileira Zilda Arns, vitimada pelo terremoto nessa pobre ilha na America Central, noto que nem todos se esquecem de como agir.

Dona Zilda, como concluiu bem Eliane Catanhêde, é um retrato de tudo aquilo que desejamos ser, mas acrescento: nunca seremos. No entanto, a médica e sanitarista, ao ajudar milhões de crianças em todo o mundo, quem sabe não guiara-se em nome apenas da razão, mas também do amor. Ou, como ouvi de um professor meses atrás, buscou o que ele tenta arduamente conseguir em seu dia-a-dia, que é não agir egoisticamente, como já estamos habituados a viver.

O descaso dos países ricos em relação aos países pobres, e até mesmo dos governantes destas nações com seu povo, denotam o ridículo de nossa existência. Na verdade, uma existência em nome do dinheiro e do poder, não do progresso. E mais, reitera o quanto somos egoístas.

Como podemos chegar à Lua, Marte e Plutão, se somos incapazes de garantir ao vizinho do lado o mínimo necessário para sua sobrevivência na Terra? A razão deve nos levar a um progresso completo, de modo que todos possam partilhar dos sabores deste mundo. Por assim pensar, soam ridículos os passos de Neil Armstrong em nosso satélite.
Assim como beira o grotesco a destruição e a miséria no Haiti.

O que fica é que talvez nossa miséria não seja fruto apenas da inexistência da razão, mas da carência desse amor que era tão comum em Zilda Arns. Ou, se não há amor, quem sabe então seja reflexo de nosso cômico egoísmo.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O espetáculo da imprensa e a corrupção do cotidiano



O dia-a-dia de nossa imprensa parece demarcado pelo apocalipse da corrupção política. Talvez nunca tenham sido veiculadas tantas denúncias de corrupção como nos últimos cinco anos. As notícias de falcatruas de nossa classe política viraram o grande elemento de constituição de jornais e revistas. Por trás dessa pandemia tresloucada, interesses de todas as espécies: poder, dinheiro, ideologia, etc. Ou, quem sabe, o tom dado pelos jornalistas acerca da corrupção política seja apenas uma forma de retaliação ante a impunidade e o silêncio dos cidadãos. Mas, de qualquer modo, tais excentricidades perpetradas por nossa mídia podem acarretar em uma visão negativista e também apocalíptica da população em relação à política.

Não podemos medir as influências da imprensa no cotidiano dos cidadãos. No entanto, conceber que o negativismo imposto por nossos jornais e revistas influencia pesarosamente nas ações das pessoas não é nenhum desvario. Como bem afirma Contardo Calligaris (A armadilha da corrupção, 03/11/2005, Folha de SP), a imprensa, mesmo fazendo o que deve fazer, que é publicar o que ela descobre, acaba por incutir em seus leitores o lugar-comum de que todos são corruptos. Isso os inibe, segundo o psicanalista, em sua capacidade de agir.

Todavia, além do crescente espetáculo em cima da corrupção impetrado pela imprensa fazer com que os cidadãos criem certa repulsa pela política, ele é capaz de influenciar as pessoas a construírem determinadas formas de retaliação. O famoso jeitinho brasileiro, bem sabemos, é capaz ser esticado ao ponto de extrapolar com a moral. Assim, as inúmeras e corriqueiras ações dos cidadãos em seu dia-a-dia, sejam através de sonegação de impostos, de compra de produtos pirateados, de oferecimento de propina a funcionários públicos podem ser uma forma de contrapartida às ações ilícitas de nossos políticos.

Segundo antropólogos, o “jeitinho brasileiro” é uma espécie de refúgio ou saída que a população encontrou para sobreviver no Brasil. Isso oriunda dos tempos em que o país era colônia de Portugal, quando nossos índios tinham que ser hábeis no trato com os portugueses a fim de garantirem sua sobrevivência. E, hoje, é uma forma de se sustentar ante políticos e empresários.

Resta saber quem são os verdadeiros culpados, ou melhor – como, juridicamente, todos o são – quem são os precursores do sentimento de corrupção generalizada. Isto é, em um país como o Brasil, onde os políticos, os empresários e os cidadãos cometem atos ilícitos, quais são os responsáveis pela corrupção, ou, quem influencia mais essa pandemia cíclica e corrosiva.