sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Encenações da vida comum

"No palco, vidas reais podem ser alegres"


Entrar na sala era uma sensação já sabida, um misto de ansiedade com desejos de paixão e de alegria. A cortina fechada guardava um pouco do que viria; não conhecíamos quase nada, os poucos detalhes que sabíamos só alimentava ainda mais nossa curiosidade. Aquela peça teatral era conhecida, havia preenchido aquela sala por muitos meses. Sabíamos dos risos de pessoas que haviam sentado bem ali, onde estávamos. Mas para partilharmos do mesmo prazer de outrora, era necessário esperar.

As luzes se apagavam, pessoas entreviam cenas em pensamento e quase que soltavam o riso antecipado. Uma voz logo os aquietou, era o diretor; fazia uma espécie de chamada. Logo o homem calou-se. Era a hora.

O início não trouxe apenas risos, eram gargalhadas. O homem sério encarava a platéia, quase os desafiava. Seus gestos e seu tom de voz logo denunciavam seu personagem. Falava calmamente, explicava pormenores, ao que o povo ria. De repente, a mudança de tom. Um homem se levanta da platéia, protesta contra o homem sobre o palco. Outro, ainda mais revoltado, entra na sala; esbravejava, gritava. Às gargalhadas, o público ainda vê outro se levantando, este não menos irritado. O apresentador estava enganado, sentiam-se ofendidos. Entretanto refletiram, ponderaram, será mesmo que ele se enganara? O discurso havia mudado. O apresentador estava prestes a contornar a situação. Juntos, os quatro homens, haviam se tornado um.

O homem arrancava risos, trazia uma espécie de alegria contagiosa aos espectadores. As entradas e saídas se faziam freqüentes: homens vestidos de mulheres, homens vestidos de homens. Intrigas, loucuras, paixões, eles encenavam uma vida cotidiana, comum. Entretanto a arte, naquele momento, parecia mais bela, era descompromissada, improvisada, não carecia de acertos. Os quatro homens traziam ao palco as atribulações dos homens, em seus aspectos mais cômicos. O palco era o mundo: o amor, a raiva, a amizade, a dor.

O público, em suas poltronas desconhecia o passar das horas, esqueciam-se dos compromissos mundanos, estes que tiram grande parte da beleza dos dias. As gargalhadas eram uma fuga, levavam-nos a outros mundos, estes mais puros, ingênuos, repletos de felicidades.

O olhar dos quatro homens para sua platéia denunciava o fim de tudo. Rompia-se um quadro mágico: o ator, o personagem, o espectador. As luzes, pouco a pouco se acendiam, traziam-nos para o mundo já conhecido; as conversas reais, mas com a sensação de prazer ainda sentida. Saíamos da sala como que libertos de algum peso desconhecido.

Os problemas corriqueiros não faziam parte daquele momento. Esta noite deixamos tudo o mais para outrora; um momento qualquer, sem importância. Teríamos, agora, belos sonhos; risos incontidos em mundos desconhecidos.

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