quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Lembranças de um amor nos tempos do cólera



A vida solitária não era digna. Tampouco a união eterna, junto a outra alma desconhecida lhe parecia uma saída. Num canto ermo de sua casa, o velho triste sucumbia às horas de um vazio que o afligia há anos. Pensava nas alegrias que não vivera, nas insanidades acarretadas pela paixão não correspondida. O belo rosto de sua amada, os olhos atentos, a voz prazenteira da jovem esbelta, tudo ainda vivo, como se a visse ali mesmo, horas antes.
O homem digeria a vida, não a jogara fora de todo, mas haviam sensações ainda mal conhecidas. Tivera amantes, estas de diversos sabores, providas de manias distintas, por vezes alegres. Entretanto, não amara outro corpo, outra voz que não fosse a da menina que conhecera em sua adolescência. Sentado, de olhos fechados, refletia sobre as horas vindouras. Já vivera tanto, vira lugares que encheriam de prazer qualquer homem vazio, sentira sabores, bebidas diversas, comidas distintas. Refletia sobre as horas, sobre a amada, sobre o futuro. Beirava a morte, em corpo, não em espírito. Sentia suas forças, sonhava com o amor que a esperava em outra sala, esta não tão distante de suas aspirações mais puras.
A mulher chorava, lembrava dos dias vividos com seu homem. O corpo estendido; olhos fechados, tantas vezes já vistos, mas que agora eram eternos. Na sala outros pêsames, outros choros, entre velas acesas. Já era notícia. A vida em conjunto agora tornara-se dor; a solidão já ensaiava naquele peito antigo. Viver sozinha, tal como o jovem que a amou toda vida. As rugas do tempo, os olhos agora tristes, mal viram entrar o homem de agora. Entre homens, mulheres, o amor era visto. O velho entrou, encarregou-se de tudo, das pompas, do enterro, tal como conhecido. Nela, um amor não sabido, talvez adormecido no meio século passado. Nele, o amor como sempre: vivo, sentido.
A morte acontecida mal refreou tais intentos. Tinham pouco tempo, talvez horas. Para a mulher, algo estranho, nunca sentido. Para o homem, o começo de um amor aceso por décadas, nunca esquecido. Hora de viver. Lado a lado, uma paixão antiga. O navio que levava ao longe, que vagava, mostrava ao mundo um sentimento bem-quisto: um amor a vagar, por todo o tempo.
  • O texto é baseado em O amor nos tempos do cólera, de Gabriel García Marquez.

Um comentário:

Anônimo disse...

Aff, eu entendi oq vc quiz dizer, mas não posso dizer q é lá muito fácil a leitura...