Futebol é uma paixão nacional, assim como o carnaval, o samba e outras manifestações artísticas. Assim dizer que o futebol é uma arte me parece uma frase bem surrada e que continua atual e é impressionante a repercussão que os fatos ligados a esse esporte tem na alma do nosso povo. Essa força, porém, não se reflete em estímulos culturais. É raro encontrar alguma literatura de qualidade que fale do esporte. O cinema, quase não trata do tema. Teatro, então, alguém já ouviu falar? Parece que são dois mundos antagônicos. Sempre gostei de esportes, particularmente, de futebol. E sempre gostei de cultura: cinema, literatura , etc. Na minha cabeça, não há contradição nisso. “Esporte é cultura” já dizia a antiga propaganda governamental. Os fatos do dia a dia, porém, demonstram que a maioria das pessoas não pensa assim. Uma dicotomia entre as duas áreas foi estabelecida e influencia a imagem que uma tem da outra. Grande parcela da intelectualidade brasileira considera o futebol, assim como outras manifestações populares de nossa cultura, fator de alienação do nosso povo, quando, na verdade, ele representa um fator de identidade. No mesmo momento que um paulista vibra com a vitória de seu time, no Morumbi, por exemplo, um gaúcho grita gol no Beira- Rio. A unidade nacional é reforçada e um espírito de nação é revigorado e passado às novas gerações. Preocupante é o exagero, é tratá-lo como a “pátria de chuteiras”, capaz de resolver os problemas do país. A história do desenvolvimento do futebol no Brasil já renderia bons filmes ou livros. Ele foi introduzido oficialmente no país por Charles Miller, filho de um inglês e de uma brasileira, no ano de 1894. Inicialmente, era praticado por uma elite, em clubes sofisticados, e assistido por uma “seleta” platéia da alta burguesia paulista e carioca. Só em meados dos anos vinte admitiu-se a participação de negros nos clubes. Esse fato pode ser considerado como o marco inicial do processo de popularização do esporte e muito importante para a causa negra. Houve debates calorosos, com colocações muito racistas por parte da maioria da imprensa, considerando-os inferiores. Foram esses jogadores, com seu talento e títulos conquistados, que calaram o racismo vigente. Outra história merecedora de melhor registro é a final da Copa de 50, perdida para o Uruguai, por 2x1. A euforia do país e, principalmente, da cidade do Rio de Janeiro, na semana que antecedeu o jogo, a exploração política da decisão do campeonato, não tendo sido dado o direito de descanso aos jogadores da seleção, a todo o momento incomodados por prefeitos, governadores e seus discursos demagógicos, a multidão presente (calculada em duzentas mil pessoas) e o silêncio pungente de toda a nação, merecem um livro, um conto ou roteiro, que dignifiquem aquele momento histórico do nosso esporte. E isso nunca foi feito. Mas qual seria o motivo para tanta indiferença de cineastas e escritores para esse esporte? Muitas hipóteses podem ser levantadas. Nossos principais cineastas e literatos, por mais que queiram esconder, nasceram em famílias da alta burguesia, onde o futebol passou a ser considerado um esporte de pobres e negros, distante da sua realidade pessoal e das suas idealizações de realizar uma literatura e cinema cultos, de inspiração européia. Existe um receio de que seus trabalhos sejam chamados de folclóricos, pecha que atingem todos aqueles que ousam mostrar o que é nosso, com seus defeitos, excessos e virtudes, com nossas caras marrons e negras. Outra parte de nossa intelectualidade faz restrições ao futebol por razões ideológicas. Na realidade, prendendo-se mais às conseqüências do vertiginoso crescimento da importância do esporte do que nele em si mesmo. A exploração política das nossas grandes vitórias causa indignação em qualquer pessoa verdadeiramente democrata. Nosso país tem um histórico de quinhentos anos de exploração, massacre de índios e escravidão. O futebol só firmou-se como esporte nacional a partir dos anos trinta e quarenta do século passado, tendo o reconhecimento mundial do seu valor na década de cinqüenta. Não se pode culpar as manifestações populares pelas mazelas nacionais. Creio que a nossa famigerada elite dominante, como sempre, tem tentado, e geralmente conseguido, seqüestrar a essência dessas paixões populares e depois, fechá-la ao acesso do verdadeiro povo. Basta verificar o preço dos ingressos para desfiles carnavalescos e jogos de futebol, inacessíveis aos mais pobres. Os muitos detratores do futebol, ingenuamente, acreditam que o Brasil seria melhor sem ele. Por essa lógica, vamos radicalizar e imaginar o país sem futebol, sem carnaval, sem festas. Tudo bem, não seria o fim do mundo, mas, esse fato em si não nos faria melhores. Diversos países do mundo não têm futebol forte, não tem festas famosas e são muito pobres, outros países são muito ricos e tem várias modalidades esportivas fortes e muitas opções de lazer populares. O futebol bem jogado, para mim, é uma bela forma de arte. Assistir aos grandes clássicos, vendo o colorido das torcidas rivais, é como um espetáculo de ópera. Neste momento difícil do mundo, em que a poluição mercantilista ameaça todas formas de expressão humana, principalmente o mais popular, é imprescindível preservá-lo, pois, não seria o esporte o único a se livrar dos interesses do capital. A defesa do futebol é a defesa do espetáculo popular. Aqueles que amam os estádios como local de congraçamento, alegrias e tristezas, vitórias e derrotas, devem participar deste resgate, pois, acima de tudo, o futebol é a arte do povo. No Brasil um garoto ao nascer ganha nome, religião e um time de futebol. Mal começa a caminhar e já está chutando uma bola com o uniforme do clube normalmente do pai ou do avô. Essa identificação já vem do berço e é um traço marcante de nossa terra. É esse futebol arte que nos distingue de todo o resto do mundo, é o futebol do drible, floreio, chapéus, “dribles – da – vaca”, da bicicleta, toques de calcanhar. Futebol mágico, Esporte artístico, isso é o futebol e nesse requisito ninguém ganha do Brasil.
Um comentário:
Boa análise, meu amigo. O futebol deve ser visto como uma manifestação de cultura popular. Entretanto, o que nos entristece são as sombras políticas que permeiam este esporte. Outro grande problema, este mais horroroso, é o fanatismo existente; são os programas dominicais sobre futebol. Ouvir Milton Neves, Chico Lang, Roberto Avalone, Jorge Kajuru é de causar nojo. O futebol tem dessas coisas: sempre vai trazer banalidades ao ser tratado como algo essencial ao país. Somos lembrados lá fora por nosso carnaval e, também, por ele: o futebol. Chico Buarque, tido como um dos maiores compositores da música popular no mundo, não é lembrado. Nossa rica música popular não é citada.
Mas, para mim, o futebol será sempre uma coisa tola: 22 homens correndo atrás de uma bola afim de enfiá-la entre 3 paus.
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