terça-feira, 5 de agosto de 2008

Apenas uma grande frase

"Navegar é preciso. Viver não é preciso."

Foi no primeiro dia da aula de Sociologia, na faculdade, que ouvi alguém falar com entusiasmo sobre a frase de Fernando Pessoa. Com gestos eufóricos e um tanto engraçados, o mestre Carlão, tentava nos passar a grandiosidade do verso que dá título a este texto. Não sei, talvez devido ao tempo que passou, se refleti sobre o que ele dizia ou se me ative a sua interpretação, tão esfuziante que quase levou todos os alunos a fazerem mau juízo de sua sanidade. Os poucos que não viram loucura também deviam sofrer da mesma patologia, e eu me incluía nesse grupo. Dada a aula, demorei muito tempo para voltar àquela noite. A aula, junto à frase dormiam em meio a tantas outras lembranças peculiares e fundamentais à minha formação intelectual repleta de insanidades.

Mas vamos ao verdadeiro motivo da lembrança, a qual deve ter me acossado numa noite de insônia. Somente quando me demoro a dormir tenho lampejos de reflexão e inteligência. A frase era a mesma do subtítulo: “Navegar é preciso. Viver não é preciso”.Há muito, antes da aula decerto, tentava descobrir qual era a “precisão” a que se referia Fernando Pessoa. Cheguei ao absurdo de crer que o poeta preferia navegar a viver. Entendi-o como um tolo: uma heresia. Fernando não era tolo, muito menos meu professor, eu o era.

Uma luz de bom-senso alumiou a escuridão de toda minha ignorância, por alguns instantes, é claro. Navegar era preciso, não como uma essência superior à vida, mas algo mais simples, certeiro. A exatidão permeia os navegantes, destemorosos do erro a lhes custar a vida. Já viver, não. Quais os passos, as ações humanas que são precisas, exatas como o vôo do passaro, fiéis como o tic-tac do relógio. Viver era a interpretação de meu mestre, o espanto de uns e a felicidade de outros tantos.

Hoje, vejo não ser tão obvia essa interpretação. Os próprios versos da seqüência comprometem meu pensamento. Espero não fazer mau juízo do poeta. É apenas uma ingênua forma de entender o poeta, a frase e a vida. A todos não espero uma forma precisa de viver, mas os autos e baixos, as loucuras de uma noite e o descanso do amanhecer. Viver de uma forma precisa é negar o choro e não sentir, assim, falta das alegrias.


Aí está um cálice de humor falando de cálice de humor

Não é algo metalinguístico?

Um comentário:

Ivan Lourenço disse...

Texto muito, mas muito bem escrito. Parabéns