sábado, 16 de agosto de 2008

A criação de homens maus

Dogville contrói o homem, em seus aspectos mais reais,
e depois o destrói
Não nascemos maus, essa é a primeira coisa que se aprende na aula de Antropologia Social. O convívio, as ações sociais com as quais somos atingidos e, mais tarde, atingimos aos outros é que perpetuam a essência humana: ser bom, ser mau, ser fraco, ser forte, ser igual a todos. Dogville é uma cidade que não existe. Seu nome, seus moradores, as ações nela presentes são criações de um homem comum. Lars Von Trier, o criador, usa de suas atribuições de cineasta para esculpir em arte o que os homens esculpiram durante a história social: as mudanças de comportamento do homem em contato com os homens. O filme, que leva o nome da cidade criada, é a arte espelho do real. Dogville, seus habitantes, a forasteira Grace e os gangsteres que a perseguem compõem o ambiente fiel aos costumes, aos juízos de valores, aos julgamentos, às ações cruéis dos homens comuns.

Analisando a arte que se espelha na realidade social, vimos, por vezes, a crueldade humana que toma o lugar da felicidade inventada. Livros de amor, filmes de paixão retratam relações íntimas entre casais, triângulos amorosos. Perde-se, contudo, a realidade presente na vida em si. O amor inventado parece suprimir as relações de trabalho, de família, de amigos, o dinheiro, as ambições, as perdas. Tudo o mais fica em outro plano, distante da vida real. Séries americanas, com notável sucesso no Brasil, remetem sempre a isso: ao amor, ao dia-a-dia de paixões frágeis com reviravoltas de alegrias de contos de fadas. Smallville, a série que revive a adolescência do personagem de quadrinho Supermen, retrata bem estes aspectos. A produção parece deixar de lado a invenção fantástica de um homem com forças sobrenaturais para dar lugar aos amores, às relações de paixão, amizade e intrigas entre adolescentes. A série se inspira em pequenas relações não fiéis aos homens.

Entretanto, na literatura podemos chegar à invenção de relações sociais mais bem elaboradas, porém também inviáveis. Sidney Sheldon criou, durante toda sua vida, mulheres fortes, capazes de tudo para ficarem ricas, poderosas. Havia mulheres que matavam por poder, que eram reprimidas, mas mesmo assim conseguiam vencer as atribulações. O escritor criou mulheres em formas e essências distintas. No entanto, todas eram disformes.

Voltando a Dogville, a realidade é mais crua; trabalhadores, donas de casa, crianças, um cachorro – este desprovido de atitudes humanas, tal como um cachorro. A chegada de Grace os assusta; pouco sabem da forasteira, apenas que é uma fugitiva. A mulher mesmo assim é acolhida. As aspirações mundanas estão presentes em Dogville: um homem revoltado com sua miséria; um médico aposentado e hipocondríaco, a mãe, esposa infeliz; a dona-de-casa conformada com seus afazeres diários; o máximo de homens reais compõem a cidade real de Lars Von Trier. A imaginação fica por conta do cenário. O filme, desprovido de árvores, montanhas e casas, é composto por riscos no chão. É-nos necessário imaginar belas ou cinzentas paisagens. Na literatura, poucos se assemelham de Lars Von Trier. Fiódor Dostoievski, escritor russo, também não compõe seu cenário de belezas, para ele, a única paisagem é o âmago dos homens, rodeados por uma cidade de homens simples, pedantes, repletos de misérias humanas.

Dogville retrata a construção do homem em sua essência. As ações sociais disseminam rancores, intrigas, todos maltratam a forasteira, apenas por temê-la. Viver na cidade é fazer parte daquele coro, ninguém está imune. Homens pacatos tornam-se homens maus, agressores, estupradores. A cidade tranqüila e feliz, repleta de homens comuns, torna-se ódio, definha-se em chamas. Os habitantes são julgados, são homens aos pés de um deus, enfim condenados a pagar por suas ações sociais e humanas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não acho ruin que filmes, livros e etc, mostrem a realidade humana, suas várias faces, suas belezas e suas tristezas, a face enlamaçada ou a limpa, este livros e filmes são importantes para refletirmos, para trazer nosso auto conhecimento.

Mas... são os livros e filmes que nos ajuda a pensar em que estamos fazendo e oq queremos ser... Então oq há de mal em livros "bobos"? O que há de errado em rir até doer os musculos maxilares, com um filme idiota e conpletamente inreal? Isso tb serve para nos contruirmos pessoas melhores, isso serve p querer sermos, com mais fervor, as pessoas educadas, determinadas, amorosas, e gentiz que os personágens normalmente são.
Tenho p mim que muitas vezes os personágens são tudo aquilo que o autor não teve coragem de ser na vida real.